quinta-feira, 7 de julho de 2016

Presidente da SBPC decide permanecer no cargo

Estadão, Blog 
Herton Escobar

7 de julho de 2016 - Atualizado 12h16

Helena Nader em seu laboratório na Unifesp. Foto: JF Diorio/ Estadão
Porto Seguro (BA) - Após ser chamada de “pelega” em protesto, Helena Nader colocou o cargo à disposição, mas conselheiros da entidade pediram por unanimidade que ela ficasse; e ela aceitou. “Tenho uma história muito clara de luta contra a ditadura”, disse em entrevista exclusiva ao Estado.

A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, colocou seu cargo à disposição do conselho da entidade em uma reunião hoje de manhã. O conselho, porém, solicitou por unanimidade que ela permanecesse, e Helena aceitou. A decisão foi comemorada com uma salva de palmas pelos 22 conselheiros presentes.

“Vou continuar, mas com muito sacrifício, pode ter certeza”, disse Helena, bastante emocionada, em uma conversa exclusiva com o Estado após a reunião. O pedido de renúncia foi motivado por uma agressão verbal sofrida ontem, durante um ato público na reunião anual da SBPC em Porto Seguro, no sul da Bahia. Helena foi chamada de “pelega” e “chapa branca” por pessoas que protestavam contra o governo interino de Michel Temer — entre elas o químico Antonio Carlos Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco, que acusou Helena ao microfone de ficar “em cima do muro” e “negociar com golpistas” (vídeo abaixo).

Vídeo do ato divulgado pelo professor Nelson Pretto, da UFBA.

“Eu tenho uma história muito clara de luta contra a ditadura”, disse Helena, de 68 anos, ao Estado. “Eu não fui presa; o que é um buraco na minha formação. Mas eu lutei pela democracia; estive presente em todas as reuniões. Eu tive amigos que foram presos e torturados; tive professores que foram violentamente torturados. A palavra ‘pelega’ para mim é muito forte, muito forte mesmo. E ela foi usada conscientemente, de propósito.”

O ato público havia sido convocado para criticar a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações e pedir a recomposição do orçamento da pasta aos níveis de 2013. Mas acabou sendo dominado por manifestações contra o “golpe” e o governo interino. “Fora Temer e seu bando”, disse Pavão diversas vezes ao microfone. Nader disse então que a SBPC era uma “entidade sem cor político-partidária” e que não participava desse “segundo slogan” do ato — referindo-se ao coro de “Fora Temer”.

Após ser ofendida, Helena pegou o microfone, disse que entregava o cargo e deixou o palco. Depois disso, a conferência seguiu normalmente durante a tarde, com ela participando de mesas e mediando debates. Mas hoje de manhã, ela de fato colocou o cargo à disposição.

“O conselho me abraçou de uma forma incrível”, disse Helena, com lágrimas nos olhos. Ela lamentou o radicalismo que tomou conta das discussões políticas no Brasil e disse que a SBPC precisa manter o diálogo aberto com todos os governantes. “O governo agora é interino, mas os problemas são permanentes. Ou a gente enfrenta eles agora, ou vai parar a ciência, vai parar a educação, vai parar tudo.”

“Eu, Helena, tenho uma posição. A presidente da SBPC, não”, completou ela, que é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), filiada da SBPC desde 1969 e está em seu terceiro mandato como presidente da entidade.

Uma proposta de apoio ao movimento Fora Temer será debatida na assembleia geral da SBPC hoje à noite. “O tema vai ser levado à assembleia para discutir se a SBPC deve ou não assumir essa ou aquela bandeira política”, disse Glaucius Oliva, professor da Universidade de São Paulo e conselheiro da SBPC. “O que é inaceitável é essa agressão pessoal contra a Helena, totalmente desmedida e desnecessária.” Ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Oliva também defende a manutenção do diálogo com o governo.

“Me envergonha ver a presidente (Helena Nader) dizendo que não pode bater palma para o Fora Temer. Como não pode? O que impede você de bater as mãos? Você é nossa presidente. Ou você é a favor desse governo?”, disse Pavão ao microfone, ontem. Ele também chamou a Academia Brasileira de Ciências (ABC) de “pelega”.

“Falar que a academia é pelega é uma incompreensão completa do papel das instituições que atuam em ciência e tecnologia. A academia não é sindicato”, rebateu em entrevista o bioquímico Walter Colli, professor aposentado da USP e membro da ABC.

O Conselho da SBPC está preparando uma “nota de desagravo”, que deverá ser lida na assembleia da entidade:

Nota de desagravo

A Diretoria e o Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) repudiam manifestação contra a pessoa da Presidente Helena Nader durante ato público, nesta última quarta-feira. Esse ato, pela manutenção de um Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação forte e com orçamento compatível com sua missão, foi convocado pelo Conselho. Manifestações de caráter violento que visam desqualificar pessoas, e não debater ideias, são incompatíveis com a missão da SBPC e o estado democrático. Conselho e Diretoria reunidos extraordinariamente na manhã de hoje recusaram o pedido de renúncia ao cargo da Presidente e após apelo unânime de cada um dos presentes, Helena Nader aceitou prosseguir no exercício do mandato.

Porto Seguro, 07 de julho de 2016.

Um comentário:

  1. "A academia não é sindicato” e também não pode rasta-pé de poder nenhum, muito menos de um ilegítimo.

    ResponderExcluir

Escreva sua mensagem.