Jornal do SindCT
Shirley Marciano
11 de julho de 2016
Gilberto Kassab - Convergecom/Divulgação |
Na sucessão do INPE, SindCT propõe novo Comitê de Busca
Fato escandaloso: nada menos do que quatro, dos cinco componentes do atual Comitê, são ligados ao CNPEM, “organização social” dirigida por Rogério Cerqueira Leite! A conturbada sucessão da direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) chegou a um desfecho neste dia 1º de julho, com a indicação, pelo ministro interino Gilberto Kassab, do engenheiro Ricardo Galvão como novo diretor do instituto. Kassab ignorou as reivindicações do SindCT e de servidores do instituto reunidos no chamado Movimento Processo Sucessório Transparente (leia carta), que denunciava a falta de isenção e representatividade do Comitê de Busca responsável por conduzir o processo sucessório.
O Comitê de Busca, composto exclusivamente por pessoas ligadas à iniciativa privada — a começar por seu presidente, o ex-ministro Marco Antonio Raupp — indicou uma lista tríplice, entregue em abril ao então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mas que cujos nomes não foram oficialmente divulgados. Extraoficialmente sabe-se que os nomes da lista foram os de Ricardo Magnus Osório Galvão, Cesar Celeste Ghizoni e Thelma Krug.
A composição do Comitê, publicada na edição de 22 de janeiro do Diário Oficial da União, resultou de um lobby do próprio Raupp e da professora Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que deslocaram- -se para Brasília, reuniram- -se com o então ministro Celso Pansera (PMDB) e pediram para ser nomeados — e conseguiram. Nenhum funcionário do INPE foi indicado e a comunidade não foi consultada.
Além do forte viés privatista do Comitê — também expresso na figura dos outros membros, em especial o professor Rogério Cézar de Cerqueira Leite, dirigente da “organização social” Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) — outro fator a provocar protestos foi a presença, na lista tríplice, de candidatos cujas atividades podem suscitar conflito de interesses, caso de Ricardo Galvão e Cesar Ghizoni. Surgiram assim manifestações no sentido de reiniciar o processo “do zero”, por meio da constituição de um novo Comitê de Busca, por entender que o atual processo teve diversos problemas e vícios.
Assim, um abaixo-assinado foi elaborado por pesquisadores do INPE reivindicando a inclusão de um representante dos servidores no Comitê de Busca; o SindCT entregou uma carta ao ministro interino, encampando a proposta de um novo Comitê; e também criou-se um grupo independente no INPE, com a finalidade de acompanhar o processo.
CNPEM comanda?
Cézar de Cerqueira Leite - Divulgação |
Chama atenção, na composição do Comitê de Busca, o fato escandaloso de que nada menos de quatro dos seus cinco membros serem vinculados à “organização social” CNPEM. Além de Cerqueira Leite, são membros do Conselho de Administração daquela entidade privada, sediada em Campinas (SP), os seguintes membros do Comitê: Helena Nader, Reginaldo dos Santos (que também é presidente da frustrada empresa binacional Alcântara Cyclone Space-ACS, em processo de extinção) e o próprio Marco Antonio Raupp.
O único membro do grupo aparentemente sem ligações com o CNPEM é Luiz Bevilacqua, ex-presidente da AEB e ex-secretário- -executivo do MCTI. Cerqueira Leite e Helena Nader mal tinham acabado de fracassar nos seus intentos de convencer a comunidade do INPE a aderir à proposta privatizante de transformar o instituto numa “organização social”, utilizando o disfarce das “comissões externas” do então MCTI (ver Jornal do SindCT 39, 2015, p. 5), quando foram nomeados por Pansera para o Comitê.
O quinto componente do Comitê, o onipresente ex-ministro Raupp, coincidentemente é o diretor-geral de uma outra “organização social”, a Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos, contratada pela Prefeitura para gerir o Parque Tecnológico. O presidente do Conselho de Administração da Associação Parque Tecnológico é ninguém menos do que José Raimundo Braga Coelho, presidente da AEB. Não bastasse tudo isso, o prazo de inscrição de candidatos a diretor(a) do INPE foi prorrogado de 4 de março para 24 de março, sem que fosse apresentada qualquer justificativa. Este fato gerou desconfiança, pois, no fechamento do prazo inicial já havia oito candidatos.
Um deles, Thyrso Villela, declinou. Ao final do segundo prazo, encontravam- se inscritas as candidaturas de Cesar Celeste Ghizoni, Clézio Marcos De Nardin, Haroldo Campos Velho, Hélio Takai, José Henrique de Souza Damiani, Leonel Fernando Perondi (diretor do INPE), Ricardo Magnus Osório Galvão e Thelma Krug. Uma vez definida, a lista tríplice foi entregue, em 27 de abril, à então ministra interina, Emília Ribeiro Curi.
Airbus
Ghizoni já foi dono da empresa Equatorial Sistemas, que foi vendida e tornou-se subsidiária da empresa Astrium, divisão espacial da gigante europeia Airbus. Porém, ele continua na empresa como presidente, condição na qual assinou, no último dia 2 de junho, um contrato com o INPE no valor de R$ 15,3 milhões para aquisição de subsistemas para o satélite Amazonia-1. Leia mais.
Assim, caso viesse a ser escolhido por Kassab, tornando- se diretor do INPE, Ghizoni teria a prerrogativa de administrar a execução de um contrato que interessa à Astrium, o que poderia ferir claramente a Lei do Conflito de Interesses (lei federal 12.813/13). Reza o artigo 5o dessa lei: “Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal: [...] II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe; III - exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas”.
Galvão, por sua vez, que já estava inscrito no dia 8 de março, até o dia 13 do mesmo mês integrava a Comissão Avaliadora (CA) do CNPEM (confira aqui). Ao tomarem conhecimento da candidatura de Galvão, os quatro membros do Comitê de Busca vinculados ao CNPEM deveriam ter se autodeclarado impedidos de continuar integrando o comitê — como aliás espera-se que ocorra em qualquer concurso público em relação aos membros da banca examinadora, sempre que se cria uma situação de conflito de interesses.
Galvão, por sua vez, que já estava inscrito no dia 8 de março, até o dia 13 do mesmo mês integrava a Comissão Avaliadora (CA) do CNPEM (confira aqui). Ao tomarem conhecimento da candidatura de Galvão, os quatro membros do Comitê de Busca vinculados ao CNPEM deveriam ter se autodeclarado impedidos de continuar integrando o comitê — como aliás espera-se que ocorra em qualquer concurso público em relação aos membros da banca examinadora, sempre que se cria uma situação de conflito de interesses.
Qualificação
Todos os candidatos possuíam qualificação acadêmica para o cargo.
Galvão é graduado em Engenharia de Telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (1969), doutor em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (1976) e livre-docente em Física Experimental pela Universidade de São Paulo (1983). É presidente da Sociedade Brasileira de Física.
Ghizoni é graduado em Engenharia Eletro-Eletrônica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1969), mestre em Eletrônica e Telecomunicações pelo INPE (1972) e doutor em Engenharia Elétrica pela Cornell University - Ithaca (1976).Presidia a Equatorial Sistemas desde 1996.
Galvão é graduado em Engenharia de Telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (1969), doutor em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (1976) e livre-docente em Física Experimental pela Universidade de São Paulo (1983). É presidente da Sociedade Brasileira de Física.
Ghizoni é graduado em Engenharia Eletro-Eletrônica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1969), mestre em Eletrônica e Telecomunicações pelo INPE (1972) e doutor em Engenharia Elétrica pela Cornell University - Ithaca (1976).Presidia a Equatorial Sistemas desde 1996.
Thelma Krug é graduada em Matemática (1975) e doutora em Probabilidade e Estatística pela University of Sheffield (1992). Assessora de Cooperação Internacional do INPE, cedida ao Ministério do Meio Ambiente, onde exerce o cargo de diretora do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento. Desde outubro de 2015 é vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC).
Não há conflito de interesses, avaliam Ghizoni e Galvão
Cesar Ghizoni - Divulgação - |
“Sobre o contrato recém assinado, o fiz como representante legal da empresa Crisa (Espanhola) do grupo Airbus, não como presidente da Equatorial. Visa atender requisito formal da Funcate de a fornecedora estrangeira ter representação legal no país, para receber citações em caso de necessidade. Também é uma relação tênue que pode ser facilmente transferida a um advogado por exemplo”.
Escolha soberana
Ricardo Galvão - Divulgação |
“A escolha do Comitê de Busca é feita de forma soberana pelo Ministro; não acredito que tenha sido feita por serem seus membros do Conselho de Administração do CNPEM. Tenho certeza que nenhum membro do Comitê de Busca aceitaria dele participar se lhes fosse imposto seguir ordens de seu presidente”, disse o professor Ricardo Osório Galvão a respeito das questões que lhe foram encaminhadas pela repórter.
“De fato, fui membro da Comissão Avaliadora do Contrato de gestão do CNPEM. Esta comissão se reúne duas vezes por ano, uma no primeiro semestre, para avaliar o relatório parcial da unidade, e outro no final do ano para avaliar o relatório anual. Aliás este é o mesmo procedimento adotado na avaliação dos termos de compromisso de gestão das unidades de pesquisa”, esclarece. “Assim, a última avaliação do CNPEM em que participei foi em dezembro de 2015 e já sabia que não faria parte da Comissão em 2016”.
MCTIC não revoga
Consultada, a assessoria de imprensa do MCTIC emitiu a seguinte nota: “O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações esclarece que o processo de seleção do Diretor do INPE foi conduzido dentro dos preceitos do regramento vigente, mais especificamente, da Portaria n° 1.037, de 10 de dezembro de 2009. Portanto, não vê motivo para revogar qualquer ato referente à escolha do Diretor daquele Instituto”.Procurado pela reportagem do Jornal do SindCT, Marco Antonio Raupp, presidente do Comitê de Busca, não mostrou interesse em comentar os questionamentos ao processo sucessório em curso no INPE.
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