Correio Brasiliense, via AEB
18 de julho de 2016
Foto: Correio Brasiliense |
O bilhete para a primeira viagem de um civil ao espaço custava uma boa resposta à seguinte pergunta: “A que altura um balão de hélio, lançado da Terra, estouraria?”. Entre 129 mil candidatos de diversas nacionalidades, o que mais se aproximou da resposta certa foi o brasiliense Pedro Doria Nehme, 25 anos, que, na época do concurso lançado pela companhia aérea holandesa KLM, em 2013, era estudante de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB).
O que ajudou Nehme, hoje pesquisador da Agência Espacial Brasileira (AEB), a dar o chute certeiro a uma pergunta tão genérica — não informava de que material era feito o balão, qual era a quantidade de gás hélio em seu interior, ou se foi lançado de dia ou de noite, entre outras — foi sua experiência, vivida em 2012, no projeto Balão Experimental de Telescópio Gêmeo para Interferômetro de Infravermelho (BETTII, na sigla em inglês), da Nasa.
“Descobri os balões durante esse período e o que mais me atraiu neles foi a possibilidade de estudar diversas áreas sem precisar lançar satélites. A grande dificuldade é desenvolver materiais para que os balões fiquem vários meses orbitando, mas existe uma grande comunidade científica estudando a partir de balões. Agora, com os investimentos de grandes empresas, essa tecnologia só tende a crescer”, observa Nehme, que trabalhou na agência espacial norte-americana enquanto estudava na Catholic University of America, nos Estados Unidos, com uma bolsa do programa Ciência Sem Fronteiras.
Nos últimos três anos, o pesquisador tem acompanhado os preparativos e testes da nave que vai levá-lo, com outros civis que desembolsarem alguns milhares de dólares, para o outro lado da atmosfera. Nesse tempo, ele precisou também realizar, nos EUA, na Rússia e no Rio de Janeiro, treinamentos e dietas para se adaptar às condições que encontrará no espaço, como a gravidade zero. Ainda não há previsão de quando será a viagem, mas Nehme já garantiu trazer como souvenir os resultados de experimentos aeroespaciais que realizará para universidades brasileiras.
A era dos balões - Em sua primeira grande obra de ficção científica, Cinco semanas em um balão, publicada em 1863, o escritor francês Júlio Verne vislumbrou no veículo aéreo uma oportunidade de o homem viver grandes aventuras e realizar fabulosas descobertas científicas. Pouco mais de um século depois, no fim da década de 1980, a Nasa iniciou seu programa de balonagem científica, que hoje lança equipamentos recheados de hélio na estratosfera ao menos duas vezes por ano, embora, diferentemente do que imaginou Verne, não sejam tripulados.
De lá para cá, a agência espacial norte-americana tem contado com a ajuda de universidades e institutos internacionais para aprimorar a tecnologia dos balões de grandes altitudes, uma forma de realizar pesquisas com um custo de produção inferior ao de satélites e foguetes. De acordo com Thyrso Villela, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e colaborador do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), que também contribui com estudos da Nasa, a tendência não é que os balões substituam completamente os satélites, mas sejam cada vez mais utilizados.
“O balão não necessita de nada muito sofisticado, e os experimentos são, em geral, bem-sucedidos. Eles oferecem flexibilidade para corrigir erros e refazer testes”, nota Villela. “Os modelos científicos servem para observação de algumas ondas que não enxergamos devido à atmosfera, como as de raios-X, raio gama, infravermelho e micro-ondas, além de serem usados para testar experimentos que serão embarcados em satélites”, exemplifica.
Treinamento - Jeremy Eggers, chefe de comunicação do Programa de Balões da Nasa, acrescenta outra vantagem dos balões em relação aos satélites: “Eles oferecem um custo relativamente baixo para o acesso à região que chamamos de quase espaço. Como eles são de baixo custo, e as missões normalmente têm um ciclo de vida curto, eles também são um campo de treinamento brilhante para a próxima geração de cientistas e engenheiros”.
Um exemplo é a missão iniciada pela Nasa em maio deste ano, com o lançamento de um balão superpressurizado (SPB, na sigla em inglês) a partir de Wanaka, na Nova Zelândia, terminando no início de julho em Camana, no Peru. O objetivo do projeto foi realizar dois experimentos: um da Universidade da Califórnia (EUA), em que um telescópio detector de raios gama foi acoplado ao balão, e o outro que buscava
verificar a possibilidade de manter um SPB no ar por um período próximo a 100 dias.
Embora não tenham alcançado todo esse tempo, devido a variações climáticas que comprometeram a estrutura do equipamento, os pesquisadores conseguiram resgatar o telescópio, que caiu em total segurança com a ajuda de um paraquedas na região sul do Peru. Com a missão, o time da Universidade da Califórnia pôde detectar explosões de raios gama — fenômenos de luz associados a objetos como supernovas e buracos negros — por quase 10 segundos.
Nos últimos 10 anos, pesquisas aeroespaciais brasileiras também têm dado atenção aos balões. Um grupo que se destacou recentemente foi o Zenith, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). A equipe conquistou o segundo lugar na categoria de melhor experimento científico na competição Desafio Global de Balão Espacial (GSBC, na sigla em inglês) com a missão Garatéa 1.
Esse projeto, que agora está na sua segunda edição, teve por objetivo lançar no espaço um balão meteorológico, elaborado pela equipe e inflado com gás hélio contendo um experimento com microrganismos extremófilos, que são aqueles bastante resistentes a alta radiação e a ambientes hostis, como vulcões e desertos. O experimento com as bactérias ficou por conta de pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncroton e do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais. Após duas horas de voo, o balão se rompeu, como previsto, e a plataforma contendo o experimento foi recuperada para análise.
“A tendência é que a tecnologia de balões seja cada vez mais utilizada para experimentos e em áreas como a de telecomunicações”, observa Francesco Lena, estudante participante do Zenith. Para Daniel Varela, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC e orientador da equipe, as pesquisas do tipo devem se multiplicar no Brasil. “A gente fez e deu certo, então outros grupos vão tentar. É uma tecnologia simples, não exige muita burocracia e é uma ótima via para avanços científicos.”
Conexão - Avanços recentes têm expandido também as possibilidades de utilização dos balões de grande altitude. Recentemente, a Google anunciou o Projeto Loon, que propõe levar internet por meio desses dispositivos aos dois terços da população mundial que ainda não têm acesso à rede — comunidades localizadas em áreas rurais e que passaram por desastres, por exemplo. O primeiro lançamento-piloto foi feito há três anos, em uma fazenda isolada por montanhas na Nova Zelândia.
Semelhantes aos balões da Nasa, porém menores, os do Projeto Loon pegam carona nas correntes de ar das camadas da estratosfera para chegar a um ponto determinado sem gastar energia e permanecendo a uma altitude duas vezes maior que a alcançada por aeronaves, longe de fenômenos meteorológicos como tempestades. Um dos principais desafios encontrados foi a construção do balão, pois os primeiros modelos aguentavam apenas alguns dias e logo estouravam. Foi necessário que a equipe de cientistas da empresa desenvolvesse um tipo de liga de polietileno mais resistente para suportar compressões e expansões sofridas na estratosfera, o que fez com que esse material ficasse no ar mais de 100 dias.
Para quem pensa que a Google vai chegar a cobrir a estratosfera com sinal Wi-Fi, é necessário ter um pouco mais de paciência. A proposta, por enquanto, é abranger, com cada balão, uma área de 80km com uma tecnologia de comunicação sem fio chamada LTE (sigla em inglês para Evolução de Longo Prazo), que funciona como replicadora de internet 4G e faz com que sejam necessárias parcerias com as operadoras locais. Até o momento, os balões Loon estão em fase de testes e negociação com as operadoras, com testes bem-sucedidos na Califórnia e no povoado brasileiro de Água Fria (PI).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva sua mensagem.