Redação SindCT
Shirley Marciano
7 de julho de 2016
Charge: autor desconhecido |
O ministro Gilberto Kassab, do recém criado Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), deixou claro o seu modo de tratar as divergências que surgem em sua pasta: procura ouvir e se legitimar como ministro "interino" perante as partes, faz promessas que sabe que não poderá cumprir, mas ao fim e ao cabo não abre mão de suas posições originais. Com o processo de escolha e nomeação do novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), não foi diferente.
O SindCT, sindicato que representa os servidores do órgão, e os próprios servidores apresentaram, por diferentes maneiras, contrariedade a respeito da forma como foi conduzido o processo de busca do novo diretor --sem transparência e com vícios de origem--, mas Kassab ignorou solenemente todos os argumentos e sequer deu abertura para discussão de mérito do assunto.
Vaias
A situação do ministro, diga-se de passagem, não é das mais confortáveis no momento, devido às fortes reações da comunidade científica frente a junção dos ministérios da Ciência e Tecnologia com o das Comunicações. Tanto é assim que o ministro foi recebido com vaias retumbantes no dia 3 de julho, por ocasião da abertura de um dos maiores e mais importantes eventos da ciência brasileira, a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que está ocorrendo em Porto Seguro-BA.
Aliás, o mesmo aconteceu com a presidente da entidade, Helena Nader, no dia 6 de julho, ao tentar esboçar o anseio de buscar diálogo com o ministro e com o presidente em exercício Michel Temer. Após ter sido vaiada pelos presentes, e ainda muito exaltada, anunciou publicamente que renunciaria ao cargo de presidente da entidade, atitude que acabou sendo revista mais tarde.
"Ministério paralelo"
Essa interinidade do ministro o faz tentar dar conta de apagar os incêndios e fugir ao máximo de novos focos de conflito, mas até agora não recuou um milímetro quanto à fusão dos ministérios imposta pelo governo Temer. Talvez por conta deste fato, o ministro esteja querendo evitar um confronto mais direto com o chamado "ministério paralelo", formado por proeminentes pessoas da área de C&T como Marco Antonio Raupp, ex-ministro da C&T e atual diretor do Parque Tecnológico de São José dos Campos, pela própria Helena Nader, presidente da SBPC, Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Cézar de Cerqueira Leite, o ad eternum diretor do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) e José Raimundo Braga Coelho, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Através de uma simples busca no histórico da turma de amigos que compõe este "ministério paralelo", que inclui outros, mas que não foram citados acima, poderá se constatar que são sempre os mesmos a ocupar os comitês de busca dos vários órgãos do MCTIC e da Defesa, ter seus nomes inscritos nas candidaturas às direções, revezando-se entre eles nos cargos dos institutos, entidades, MCTI, AEB, Parques Tecnológicos, etc. De duas, uma: ou a competência destes senhores os torna insubstituíveis, ou algo está errado.
A fusão e o bode
Logo que se deu o anúncio sobre a fusão dos ministérios, Nader e Davidovich, em nome de suas respectivas entidades, SBPC e ABC, se colocaram contra. Embora essa posição contemple o clamor da comunidade --inclusive da base do SindCT--, para alguns, isso não passa de um bode na sala que colocaram com a finalidade de valorizar o passe dos seus pleitos junto ao ministro Kassab. É assim que sempre funcionou: era só um ministro colocar o pé para dentro do cargo, para que a trupe já se aproximasse apresentando seus currículos, seus feitos, suas influências, suas amizades... Imagine a situação de um ministro recém-empossado diante dos considerados "papas da ciência" no País. Seria quase uma heresia não atendê-los de pronto.
Uma entidade forte e representativa pode e deve exercer o seu poder de interferir nas decisões, porém, não é benéfico ultrapassar a linha tênue que separa os interesses gerais da comunidade para atender a desejos e vontades de grupos ou de pessoas. Neste sentido, fazendo as conexões entre todos os envolvidos, fica óbvio que Ricardo Galvão --recém nomeado pelo comitê de busca e aprovado pelo ministro para assumir a direção do INPE-- já estivesse "eleito" a partir do momento em que o então ministro Celso Pansera cedeu ao lobby de Raupp e Nader, dando-lhes o direito de escolher a lista tríplice de candidatos à direção do INPE.
Isso ficou claro pelas evidências comprometedoras, pois quatro dos cinco membros do comitê de busca fizeram parte do Conselho de Administração da organização social (OS) que administra o CNPEM. O escolhido, Galvão, já na condição de candidato à direção do INPE, também fazia parte do Conselho Avaliador (CA) do mesmo CNPEM. Ou seja, ele avaliava e aprovava os atos do Conselho de Administração, ao mesmo tempo em que concorria a uma vaga em um processo de seleção no qual a escolha dependia de quatro conselheiros do Centro. É a comprovação de que houve um conflito gravíssimo de interesses entre eles.
Teatro de Raupp
No mínimo, essa situação prejudicou os sete demais candidatos e a própria comunidade do INPE, que, de certo modo, foram vítimas de um teatro encenado pelo senhor Marco Antonio Raupp, diante de todos no auditório do Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE, na ocasião da apresentação dos candidatos. Mas, a questão mais importante a ser pontuada é o fato de se estar tratando de um órgão da Administração Direta do Estado (caso do INPE), onde normas internas e legislação vigente devem ser seguidas à risca, dentre os quais, a vigilância sobre qualquer evidência de tráfico de influência ou conflito de interesse, o que, ao que tudo indica, não foi observado.
Por isso o SindCT e alguns membros da comunidade do INPE reunidos em torno do chamado Movimento Processo Sucessório Transparente foram recebidos pelo ministro Kassab no dia 1° de julho no Parque Tecnológico, depois do anúncio de que Galvão já havia sido nomeado para a direção do INPE. O ministro se defendeu dizendo que apenas despachou o processo que estava sobre sua mesa. No site do MCTIC, por sua vez, declarou que teve o cuidado de fazer a nomeação após "ser aconselhado". Pode-se até desconfiar por quem...
Diante de toda essa falta de sensibilidade por parte do ministro Gilberto Kassab, restou ao SindCT, apoiado pelo movimento de servidores do INPE, protocolar uma representação junto à Procuradoria Geral da República (PGR) no último dia 5 de julho, objetivando desfazer o malfeito e convocar novo comitê de busca para recomeçar o processo todo do início, de maneira mais transparente, isenta e representativa dos interesses da comunidade do INPE e da sociedade em geral.
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