quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Por que os EUA querem controlar a todo custo a base de Alcântara

Brasil 247, com Sputnik
14 de agosto de 2018


Foto: Divulgação

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, escolheu o Brasil como o destino inicial de seu primeiro giro pela América do Sul. Entre os temas de sua agenda se encontra a participação de seu país na base aeroespacial de Alcântara, de grande valor estratégico. Conheça as intenções ocultas do Pentágono por trás desta suposta cooperação.

A base de Alcântara, onde opera a Agência Espacial Brasileira, é a única infraestrutura de lançamento de foguetes sob controle de um país soberano da América do Sul. A outra é a de Kourou, na Guiana Francesa, de vital importância para a Agência Espacial Europeia.

Ambas se situam nas proximidades da linha do Equador, o que permite aumentar a efetividade dos lançamentos e economizar combustível. Casualmente ou não, a presença de Mattis no Brasil ocorre horas antes do anúncio do presidente Donald Trump sobre a criação da Força Espacial, um novo ramo da Defesa dos Estados Unidos que começará a operar em 2020, supostamente para proteger-se de ameaças da Rússia e da China.

"Escolhemos o Brasil, não porque devido a um feliz acidente geográfico se encontra na linha do Equador mas porque queremos trabalhar com os brasileiros, nosso vizinho hemisférico com o qual compartilhamos valores políticos, além de sua impressionante orientação tecnológica", disse, de acordo com a agência AP, o titular do Pentágono em entrevista coletiva depois de sua reunião com seu par brasileiro.

Não é a primeira vez que Washington finca suas garras sobre este ponto do estado do Maranhão, dois graus ao sul do paralelo 0º, como recordou em diálogo com Sputnik José Reinaldo Carvalho, diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e editor do portal Resistencia.cc.

"Durante o período do governo antinacional do ex- presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a base de Alcântara ficou à disposição dos EUA, situação que foi revertida depois nos períodos de governos progresistas no país, primeiro sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e depois con Dilma Rousseff (2011-2016)", disse.

À luz deste precedente, não surpreende que o Pentágono insista com estes planos de caráter "neocolonial e neoimperial", disse José Reinaldo Carvalho. Ante as aspirações dos EUA de "dominar" a América Latina e o mundo nos campos comercial e militar, "os patriotas brasileiros têm que rechaçar " o controle estadunidense da base de Alcántara "em nome dos interesses nacionais", enfatizou.

Em Alcântara se joga muito mais que uma base aeroespacial, como deixa claro em um artigo publicado no sítio Brasil de Fato o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães Neto, ex-ministro de Assuntos Estratégicos do Brasil (2009-2010) e antigo alto representante do Mercosul (2011-2012).

"O objetivo principal norte-americano é ter uma base militar no território brasileiro na qual exerçam sua soberania, fora do alcance das leis e da vigilância das autoridades brasileiras, inclusive militares, e onde possam desenvolver todo tipo de atividade militar", afirma Samuel Piunheiro Guimarães Neto, também secretário geral das Relações Exteriores de 2003 a 2009.

O diplomata sublinha que sob o controle do Pentágono existem cerca de "700 bases militares terrestres", em muitas das quais há "armas nucleares e sistemas de espionagem". Além disso, o deslocamento de navios e submarinos pelo planeta aumenta a quantidade de locais a serviço de Washington.

Do ponto de vista dos lançamentos espaciais, os EUA têm "bases de lançamento de foguetes em seu território nacional", com equipamentos "sofisticados". Por isso, segundo Samuel Pinheiro Guimarães, não necessita das instalações "em Alcântara para o lançamento de seus foguetes".

"A localização de Alcântara, no Nordeste brasileiro, em frente à África Ocidental, é ideal para os Estados Unidos desde o ângulo de suas operações político-militares na América do Sul e na África, assim como de sua estratégia mundial de confrontação com a Rússia e a China", aponta o diplomata.

Um dos objetivos de um controle estadunidense de Alcântara seria também "impedir que o Brasil tenha uma base competitiva de lançamento de foguetes" e operar à margem do escrutínio das autoridades locais. Para o diplomata, a utilização de Alcântara por parte dos EUA "configura o caso mais flagrante de cessão de soberania da história do Brasil".

Se isto ocorrer, o governo de Michel Temer segue em sua linha de "atender todas as reivindicações históricas" dos EUA ao Brasil não só em política externa, mas também na aplicação de medidas neoliberais no interior do país e a privatização de recursos estratégicos para o país, como a estatal energética Petrobrás.

"Se os Estados Unidos conseguirem instalar-se em Alcântara, dali não sairão, pois poderão 'controlar' o Brasil, 'alinhando' de fato e definitivamente sua política externa e fechando qualquer possibilidade de exercício de uma política externa independente", conclui Samuel Pinheiro Guimarães Neto.

Segundo o portal AmerSur, dentro da política de desenvolvimento aeroespacial do Brasil, o governo de Lula (2003-2011) freou os acordos de cooperação em Alcântara com os EUA e assinou acordos em 2003 com a Ucrânia que incluíam transferência de tecnologia. Contudo, Kiev os rescindiu quando se consolidou ali em 2014 "um governo pró-EUA".

Outro assunto é a proximidade relativa do Maranhão com a Venezuela. Uma presença militar sob o controle do Pentágono poderia ser, segundo José Reinaldo Carvalho, um elemento a mais para "impedir que as forças democráticas e populares possam exercer seu poder em diferentes países latinoamericanos". Caracas "ousou contrariar os interesses estadunidenses" e foi ameaçada com "intervenções" militares.

Mas, como apontou José Reinaldo Carvalho, a "cobiça" dos EUA para com o Brasil não se esgota em Alcântara. O dirigente do Cebrapaz mencionou a questão da Amazônia, cenário em 2017 de operações militares conjuntas entre Brasil, Peru, Colômbia e EUA. Foram as primeiras deste tipo na história, na região amazônica, "rica em recursos, biodiversidade e água", cujo controle é "parte da ofensiva" de Washington.

"Penso que as forças armadas brasileiras, o exército brasileiro e os patriotas brasileiros não deveriam permitir que nosso país fique tão vulnerável a esta ofensiva estadunidense", concluiu José Reinaldo Carvalho.

O que secretário de Defesa dos EUA quer do Brasil?

Sputnik
14 de agosto de 2018

Foto: © REUTERS / Yuri Gripas

O secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, se reuniu nesta segunda-feira com os ministros brasileiros da Defesa e das Relações Exteriores para debater assuntos de interesse bilateral e regional. Mas qual o motivo desse interesse súbito do chefe do Pentágono pelo Brasil, um mês e meio depois da visita do vice-presidente Mike Pence ao país?

"O secretário de Defesa James N. Mattis se encontrou com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, em 13 de agosto, no Palácio do Itamaraty, para reafirmar a longa relação bilateral entre os Estados Unidos e o Brasil", disse a porta-voz do Pentágono, Dana W. White, em uma das poucas declarações sobre os encontros de Mattis em Brasília. "Eles concordaram que seus valores comuns de princípios interamericanos de direitos humanos, Estado de direito e paz são uma fundação sólida para uma parceria estratégica de longo prazo". 

Na agenda oficial de Mattis, estavam a discussão de alternativas para avançar na cooperação nas áreas técnica, científica, político-militar e de indústria de defesa, como no caso do uso, pelos EUA, da base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão. Mas, para alguns especialistas, pode haver algo além. 

De acordo com o professor de Relações Internacionais Thomas Ferdinand Heye, da Universidade Federal Fluminense (UFF), enquanto há, nos EUA, aqueles que acenam para a América Latina com a ideia de construir um muro ou de impor sobretaxações nas commodities, há também aqueles atores que desejam reforçar os laços de Washington com os países da região, em busca de alianças, apoio ou de manter a tradição de "quintal norte-americano". Para o especialista, há, hoje, um interesse claro de parte desses atores em marcar presença no Brasil e nos demais países sul-americanos para fazer frente principalmente à influência da China.

"A China está muito presente para alguns países da região. A gente não pode esquecer que, por exemplo, o relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que a China investiu em uma década em infraestrutura mais do que os Estados Unidos em meio século", destacou Heye. "Então, a China está chegando muito forte na América Latina no momento, nos últimos anos. E isso é uma coisa nova na região".

Segundo o professor, antes, os Estados Unidos costumavam ser o grande parceiro comercial e político da maioria dos países da região, mas com um distanciamento relativo desde o fim da Guerra Fria. Agora, ele vê o fortalecimento de uma pauta mais interessante, inclusive no caso do Brasil, com a discussão da venda da Embraer, da necessidade de o país ter acesso a insumos para a sua indústria bélica e a tecnologias controladas pelos EUA. 

"Então, estariam também coisas interessantes do nosso lado a propor."

Sobre a Venezuela, Heye não vê a atual crise do país como um dos motivos impulsionadores para a visita do secretário de Defesa dos EUA ao Brasil e a outros Estados sul-americanos, já que, para ele, a opção militar dos EUA contra Caracas teria caráter unilateral, dispensando o apoio de vizinhos. 

"Os Estados Unidos não precisam do Grupo de Lima ou de qualquer conjunto de países se eles quiserem tomar uma decisão unilateral. Agora, não vão fazer isso porque tem um custo político absurdo para os americanos."

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Brasil e EUA voltam a tratar do uso de Alcântara para lançar foguetes

EBC
Gilberto Costa
14 de agosto de 2018

Divulgação/www.forte.jor.br

O ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, reuniu-se no começo da tarde de hoje (13) com o secretário de Defesa dos Estados Unidos (EUA), James Mattis.

No encontro, foram tratados da situação social da Venezuela, de cooperações militares, inclusive na área cibernética, e da retomada de um acordo de salvaguardas tecnológicas para utilização da Base de Lançamento de Alcântara, a cerca de 30 km de São Luís (MA).

Segundo Silva e Luna, “os americanos estão mexendo na proposta” para viabilizar um acordo ainda este ano.

De acordo com o ministro brasileiro, “o secretário de Defesa [James Mattis] se comprometeu, no mais curto prazo, a ajustar os detalhes para que o acordo fique conforme nossos interesses e seja entendido pelo país inteiro, pela sociedade, que é traduzido pelo nosso Congresso”.

A base, criada em 1983 para o Programa Espacial Brasileiro, é objeto de interesse dos Estados Unidos por causa da proximidade com a Linha do Equador, que possibilita a economia de combustível no lançamento de foguetes. Um acordo para uso norte-americano foi frustrado nos anos 1990 por causa da resistência do Congresso Brasileiro, que desejava um contrato que garantisse maior transferência de tecnologia e acesso a informações a operações no local.

De acordo com o ministro da Defesa, o Brasil tem interesse na produção de informações do satélite. “Enfatizamos muito já que os Estados Unidos têm uma grande capacidade de informação na área, que é a de inteligência por meio de satélites de imagem”, disse Silva e Luna aos jornalistas após o encontro com o secretário de Defesa, sem especificar se o interesse brasileiro diz respeito à segurança, telecomunicações, clima e/ou meio ambiente.

“Na verdade, está se tratando não do que sai do chão, mas do que está no espaço. A preocupação é com o que está no espaço não é com o centro de lançamento em si, já que é um espaço livre e uma área que não ameaça a segurança das nações”, assinalou Silva e Luna.

O acordo com os norte-americanos é defendido pela Agência Espacial Brasileira e pelo Comando da Aeronáutica. Em artigo recente, o comandante da Aeronáutica, Nivaldo Luiz Rossato, defendeu as negociações e o esclarecimento da população. “O país precisa saber que Alcântara não está à venda, não será arrendada e que tampouco haverá cessão de área ou qualquer outra ação que afete a soberania brasileira”, escreveu.

Venezuela
Ainda de acordo com o ministro da Defesa, os norte-americanos adotaram uma posição de expectadores em relação aos desdobramentos dos problemas sociais, políticos e econômicos na Venezuela que acarretaram no aumento da imigração de venezuelanos para o Brasil e a Colômbia.

“A colocação dos Estados Unidos nesse aspecto é muito prudente. Considera que a solução deve ser liderada pelo Brasil e pergunta sempre como pode ajudar”, disse Luna e Silva que informou ter trocado ideias com Mattis sobre uma maneira de construir “solução para tirar o país da dificuldade que está passando”

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Falta de pessoal, verba e ambição atrasam programa espacial brasileiro

UOL
Carlos Madeiro - Colaboração para UOL em Maceió
12 de agosto de 2018

Concepção artística do CBERS

Com quatro décadas de existência, o programa espacial brasileiro deixou para trás a fama de referência entre países emergentes para enfrentar uma fase de problemas e ser ultrapassado por outras nações. Segundo os planos traçados, o Brasil deveria estar no espaço com um novo satélite de monitoramento, lançado por um foguete nacional --mas ambos os projetos estão atrasados em seus cronogramas.

Segundo autoridades do setor entrevistadas pelo UOL, os desafios foram criados pelos cortes de pessoal e de orçamento, ocorridos nos últimos anos, além de erros estratégicos. Com isso, o Brasil não desenvolveu tecnologia e atrasou a fabricação de foguetes e satélites.

O cenário atual foi debatido por líderes do programa espacial durante a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ocorrida em julho em Maceió.

Atualmente, há dois importantes satélites brasileiros no espaço: o novo satélite geoestacionário e o Cbers 4. 

O primeiro foi lançado em maio de 2017 e idealizado para a área de telecomunicações. Tem entre suas possibilidades fornecer banda larga a hospitais e escolas de todo o país.

Já o Cbers 4 foi feito em cooperação com a China. Ele é usado para sensoriamento remoto, ou seja, voa baixo para tirar fotos e mandá-las à Terra. Há ainda satélites mais antigos que ajudam nesse monitoramento e que, mesmo já tendo expirado sua utilização prevista, continuam em funcionamento.

O próprio Cbers foi estimado para se "aposentar" no fim do ano passado.

Um novo satélite, denominado Cbers 4A, o substituiria. Mas o projeto atrasou e não entrou em órbita.

Em novembro do ano passado, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já falava que o lançamento seria em maio de 2019. A nova previsão diz apenas que acontecerá no segundo semestre do próximo ano. O antigo modelo continua mandando imagens sem falhas.

A nova "menina dos olhos" da tecnologia espacial civil brasileira é o satélite Amazônia 1, feito para dar mais qualidade ao monitoramento da região amazônica --hoje o país não possui um satélite com esse perfil só para a Amazônia.

Mas seu desenvolvimento também atrasou. Seu envio ao espaço está previsto apenas para 2020.

Inpe faz testes de integração entre os satélites Cbers 4A e Amazônia

Falta tecnologia

Para colocar um novo satélite em órbita, o Brasil precisa enviá-lo para um país que possua foguete de lançamento. Não há um equipamento nacional, o que encarece os projetos. 

"Para lançar o Amazônia 1, por exemplo, temos de fazer a licitação com dois anos e meio de antecedência. Precisamos desse tempo porque temos que saber quais as características do foguete, a vibração que ele faz especialmente no lançamento para fazer os testes e saber se ele resiste a a essa vibração. Se tivéssemos nossos próprios foguetes, já saberíamos isso", afirma Ricardo Galvão, presidente do Inpe. "Estamos muito atrasados no programa."

Parte desse atraso pode ser explicada pela explosão na base de Alcântara (MA), em 2003

Centro de Lançamento de Alcântara, no litoral do Maranhão

Mas não foi só isso, dizem os entrevistados ouvidos pela reportagem. Eles também citaram problemas com fluxo de caixa e falta de pessoal especializado. O primeiro pode ser recomposto no orçamento se houve vontade política. Já a segunda questão depende acima de tudo de tempo.

"A formação leva cinco anos, e some mais dois anos para começar a produzir conhecimento", diz o brigadeiro Augusto de Castro Otero, diretor do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço).

No Inpe, a situação é parecida. O presidente Ricardo Galvão conta que, desde que entrou no órgão, em 2016, houve 250 pedidos de aposentadoria, num universo de 800 pessoas trabalhando atualmente.

Isso causa problemas no andamento dos projetos. "Terceirizados podem fazer várias coisas, mas há outras que só servidores públicos podem assumir, como ter acesso a certos sistemas", afirma ele.

Falta estratégia

Sobre a falta de um foguete, o diretor diz que ter esse equipamento é algo que trata não só de tecnologia. "Faltaram recurso e pessoal, mas foi um erro de estratégia. Deveria ter concentrado mais [essas coisas] e ter desenvolvido o nosso lançador", diz o presidente do Inpe.

Para ele, isso teve impacto também na soberania nacional. "Tínhamos um papel de líder na América Latina, e hoje estamos bem atrás, por exemplo, da Argentina", relata.

Segundo Galvão, o primeiro satélite argentino foi testado no Inpe, mas hoje o país vizinho "nos superou na capacidade de fazer satélites e foguetes lançadores".

O programa especial brasileiro é dividido em duas frentes: uma civil, coordenada pelo Inpe, que fabrica os satélites; e outra militar, comandada pelo IAE. Cabe à Aeronáutica produzir os foguetes e fazer os lançamentos.

O diretor do instituto, engenheiro e brigadeiro Augusto de Castro Otero, reconhece o atraso na produção do chamado VLM (Veículo Lançador de Microssatélite) --que deveria ter sido lançado em 2015, segundo planejamento inicial--, mas fala que não houve atraso estratégico. Hoje, esse foguete é desenvolvido em parceria com a Alemanha.

"O Brasil nunca atrasou a ideia [de ter o lançador]. Ela sempre foi tempestiva [tinha prazo definido para ocorrer], iria ser feita no momento certo. O que aconteceu foi que tivemos contingenciamentos históricos, o fluxo de caixa foi diferente do que fora inicialmente planejado", afirma. "Quando se reduz o recurso, você alonga o projeto em tempo e sofre diversos problemas, como envelhecimento da tecnologia, da equipe de projeto."

Segundo o brigadeiro, para 2018 e 2019 estão garantidos recursos que devem permitir o cumprimento do cronograma --que prevê um primeiro lançamento de teste em 2019. Já o primeiro lançamento em órbita de um satélite brasileiro deve ocorrer apenas em 2021.

Falta dinheiro

Um dos grandes desafios para a continuidade do programa espacial brasileiro é a redução de verbas e de mão de obra qualificada nos últimos anos.

Em 2014, por exemplo, o IAE tinha orçamento de R$ 58 milhões. Em 2017, esse valor caiu para R$ 27,3 milhões (ou 53% a menos). Com isso, o número de projetos desenvolvidos baixou de 53 para 16.

De acordo com o brigadeiro, outro problema "grave" é que o IAE possui hoje apenas 558 cargos ocupados, enquanto 607 estão vagos.

"A redução das pessoas causa impacto em todos os projetos, seja de tempo, custo, descontinuidade", diz.

Sobre a queda de recursos, Galvão afirma que o Inpe sofre com essa redução desde o começo do século. "Desde 2000 os recursos tem diminuído gradativamente", revela, citando que em 2018 o Ministério da Ciência e Tecnologia reduziu o corte do orçamento da área. "Conversamos com o ministro [Gilberto] Kassab e ele recompôs [a verba]."

O investimento brasileiro estimado para os primeiros lançamentos do foguete é de R$ 150 milhões. A outra parte do recurso é bancada pelo governo alemão, que entrou no projeto em 2014, quando o IAE percebeu que não conseguiria fazer sozinho o projeto. A parceria com a Alemanha já existia para outras áreas, mas foi crucial não só do ponto de vista financeiro como tecnológico.

"Não é um valor alto e, se houver fluxo, o projeto será feito com êxito. Mais que recursos, há barreiras tecnológicas que precisam ser superadas, e algumas delas empurram o projeto um pouco mais para a frente porque precisamos dar soluções", explica.

Falta ambição

Para Othon Winter, pesquisador do Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o programa espacial teve uma série de avanços conquistados ao longo desse período, como o desenvolvimento e colocação em órbita do satélite geoestacionário, os laboratórios científicos e a base de Alcântara.

Apesar disso, ele cita que essas foram "pequenas coisas" e afirma que o Brasil deixou de fazer outras mais importantes.

"O Brasil é um país continental, não estamos falando de um pequeno país. A gente precisa ter satélite, controlar fronteiras. Temos muita coisinha que seria legal para um país como o Chile, por exemplo, mas para o Brasil é muito pouco. A Índia, que é muito similar ao Brasil em território, tem seu próprio lançador, mandou satélite à Lua, é um país que tem autonomia nesse campo. O que temos é muito pouco pela nossa extensão. Poderíamos estar muito avançado nesse cenário", explica.

Para Winter, a falta de recursos não pode ser apontada como causa só do problema. "Falta algo um pouco mais arrojado. Falta dinheiro, mas não é só. Já tivemos dinheiro em alguns momentos e não soubemos gastar", diz.

O pesquisador ainda ressalta que o domínio da tecnologia espacial precisa ser tratado como questão de soberania nacional.

"A área especial, assim como a nuclear, têm de ser de Estado, tem de ser prioridade. Lógico que em época de crise você reduz [o dinheiro investido], mas tem de ter um plano perene, de médio a longo prazo, para dizer o que é que você quer fazer. Isso tem de ser pensado inclusive sem depender de troca de governo", afirma.