Carta Capital
Soraya Smaili
28 de junho de 2016
Com o enxugamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a derrocada dos orçamentos para o setor, cresce a ameaça de retrocesso.
Com a entrada do governo interino de Michel Temer, nos deparamos com drásticas mudanças na composição dos ministérios e nas políticas.Entre as mudanças, o governo Temer apontou para a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que seria incorporado ao das Comunicações.
Com o argumento de que é preciso enxugar o número de ministérios,verificamos uma alteração radical nessas instituições, com a extinção de algumas estruturas e fusões realizadas sem discussão elaborada.
Inúmeras manifestações da comunidade científica foram feitas, entidades e cientistas começaram a tratar do tema. Instituições como a SBPC, ABC, Andifes e diversas sociedades científicas e conselhos universitários, se posicionaram de maneira contrária à fusão, salientando o importante papel da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para o futuro da nação.
Temos buscado falar para a sociedade sobre a longa trajetória de três décadas, desde os anos 1960, que a comunidade científica percorreu para conquistar um ministério. Entre 2005 e 2011, houve finalmente um volume maior de investimentos no setor e chegamos aos maiores patamares de financiamento para a área. Neste período a ciência cresceu e decolou trazendo desenvolvimento econômico e social.
Com a fusão dos ministérios, o enxugamento do MCTI e a derrocada dos orçamentos para a CT&I, cresce a ameaça de perdermos o que conquistamos ou de retrocedermos como economia.
Os países mais desenvolvidos investem de 3% a 4% de seu PIB em CT&I, enquanto o Brasil investe menos de 1,2%, segundo as avaliações mais otimistas.
De acordo com dados da SBPC, mesmo os países que tiveram crescimento econômico negativo nos últimos anos não deixaram de investir ao menos 2% no setor.
Isso porque existe um entendimento global, mesmo em economias liberais, que o desenvolvimento da ciência de um país é valor estratégico para uma nação.
Apesar disso, a ciência brasileira produziu e produz descobertas e soluções. Foi ela que desenvolveu grande aeronaves que são utilizadas em todo o mundo, promoveu avanços na área de segurança alimentar, tanto no cultivo quanto em técnicas, tem matemáticos e físicos que competem em nível internacional, trabalhando em sistemas avançados.
Na área da saúde formou profissionais e pesquisadores que atuam na medicina e saúde de maneira geral, tendo sido uma das descobertas mais recentes a descrição da infecção causada pelo zika vírus e sua correlação com a microcefalia e perdas neuronais.
Isso tudo só foi possível porque temos uma capacidade instalada, porque houve investimento e temos profissionais formados para trabalhar nesse setor.
No Brasil a ciência se desenvolveu fortemente nas instituições públicas de ensino superior e de pesquisa. As universidades federais e estaduais possuem os maiores parques de equipamentos, além de um número grande de doutores formados para a pesquisa.
Sem investimentos e sem uma política clara, corremos o risco de termos nossos laboratórios defasados e sucateados, como, aliás, já está acontecendo. Em outros casos teremos laboratórios de grande porte sem recursos para a manutenção. Não podemos perder todo o investimento feito, e mais, precisamos de mais.
Somente a ciência brasileira terá olhar e atenção para a solução dos problemas que são eminentemente brasileiros. Queremos cuidar dos nossos problemas de saúde e vida, e solucioná-los, e podemos também ser independentes de tecnologias estrangeiras, gerando os nossos próprios produtos e tornando o país autônomo e economicamente mais forte. Queremos produzir a locomotiva e não somente importá-la.
A ciência, assim como o conhecimento, não tem fronteiras, mas uma nação deve pensar os seus problemas e encontrar suas soluções. Ela deve ser o mais autônoma que puder para trocar tecnologia e não apenas comprá-la.
A ciência tem e terá esse papel. Precisamos, para isso, ter um ministério forte, com uma política clara e desenvolvida com a comunidade científica de nosso país, além de estabilidade nos investimentos que retornarão à própria sociedade.
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