Folha de SP
Mariana Versolato, com colaboração de Reinaldo Lopes
2 de junho de 2016
Em seu primeiro evento oficial como ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab ouviu cobranças e preocupações por parte de cientistas reunidos na USP, especialmente em relação aos recursos minguantes do setor, e defendeu o ministério recém-criado como forma de "fortalecer" a pasta.
Órgãos que representam a comunidade científica do país têm se articulado para exigir que a fusão do antigo MCTI com o Ministério das Comunicações seja revertida.
"Existiu num primeiro momento a preocupação de que a fusão poderia enfraquecer o campo da ciência e da pesquisa, mas tenho uma visão diferente. Com menos ministérios, fica mais fácil despachar com o presidente", disse Kassab a uma plateia em que estavam reunidos nomes importantes da área como José Goldemberg, presidente da Fapesp (órgão paulista de fomento à pesquisa), e a geneticista Mayana Zatz.
"Só o tempo vai mostrar que o tema ciências vai ser valorizado com um ministério fortalecido", afirmou depois a jornalistas.
Kassab disse também que não vê possibilidade de mudança à frente, como houve no caso do Ministério da Cultura. "Pelo contrário, vejo demanda da sociedade para cortar mais ministérios."
A fusão, afirmou, traz eficiência ao governo e economia na administração. "Agora só tem um chefe de gabinete, um só coordenador de imprensa. Eram sete secretarias e agora são cinco. Em todas as áreas que houver oportunidade de enxugar vai haver redução sensível", disse.
O ministério afirma que ainda está concluindo o processo de fusão e não sabe afirmar o tamanho da economia.
Encarnações anteriores
> Ministério da Ciência e Tecnologia (de 1985 a 1989 e de 1992 a 2011)
> Secretaria do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio (1989)
> Secretaria da Ciência e Tecnologia ligada à Presidência (de 1990 a 1992)
> Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (de 2011 a 2016)
Alguns órgãos e projetos que dependem do ministério
> CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, principal órgão federal de apoio à pesquisa e avaliação de pesquisadores)
> Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, fornece verbas para infraestrutura e equipamentos, além de pesquisa)
> Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (avalia liberação de organismos transgênicos)
> Agência Espacial Brasileira
> Comissão Nacional de Energia Nuclear
> Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
> Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
> Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
> INCTIs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, redes de pesquisa em grande escala sobre os mais variados temas)
Críticas
Elogiado por sua gestão à frente do ministério de 2005 a 2010, o físico Sérgio Machado Rezende, da Universidade Federal de Pernambuco, disse à Folha que a suposta economia de recursos públicos oriunda da fusão é pequena. "Nosso dispêndio com a área deve ter caído para menos de 1% do PIB, enquanto países desenvolvidos gastam cerca de 2% ou mais." Para o ex-ministro, não faz sentido falar em cortes porque o orçamento do MCTIC já é praticamente irrelevante diante da magnitude da dívida pública brasileira, por exemplo.
Ele também não vê com bons olhos o desempenho do ministério nos dois mandatos de Dilma, em especial pela troca constante de ministros -foram seis em cinco anos- e pela falta de continuidade em projetos. "O ministério perder seu status independente pode parecer algo simbólico, mas na verdade é importante justamente por nós não termos uma cultura consolidada de ciência, tecnologia e inovação", diz.
"É complicado a gente ter de ir ao Senado para justificar a manutenção de uma coisa que já existe há 31 anos", disse a bioquímica Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
"Fomos os que mais sofreram cortes, o que mostra que a importância da pesquisa científica para a economia do país não está sendo reconhecida", afirma ela, citando o papel crucial dos cientistas na produtividade do agronegócio brasileiro, na exploração petroleira e no sucesso de empresas como a Embraer.
"O MCTI conseguiu mudar a face da pesquisa em ciência e tecnologia no país, assumindo um papel importante de coordenação. Por isso, a comunidade científica tem protestado contra essa fusão", diz o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
A mobilização contra a nova configuração do ministério ganhou corpo na UFRJ, mais importante universidade federal do país, na qual foi criada a Frente Contra a Extinção do MCTI. "Dois pontos importantes para nós são a falta de compatibilidade entre os dois ministérios, que nunca conversaram muito, e a possibilidade de uma redução ainda maior de recursos", explica uma das integrantes da frente, Jussara Miranda, do Instituto de Química da UFRJ.
Ela cita o caso de mais de 50 programas de bolsas para pesquisadores na área de petróleo, gás natural e biocombustíveis, vinculados à ANP (Agência Nacional do Petróleo), nos quais os bolsistas não estão mais sendo pagos. "Se você para uma pesquisa dessas, não dá para simplesmente recomeçar de uma hora para outra." Segundo Jussara, representantes de outras instituições, como a UFMG e a USP, estão se aproximando da frente e considerando ações conjuntas.
Para Davidovich, o problema não é a falta de um perfil mais técnico no cargo. "O importante é que o ministro tenha diálogo com a comunidade científica e tecnológica nacional e consiga reconstruir a apoio à pesquisa", resume.
Platéia
No evento na USP, pedidos e cobranças por mais recursos foram frequentes.
A reitora da Unifesp, Soraya Smaili, reclamou que Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e CNPq (principal órgão federal de apoio à pesquisa) estão com repasses atrasados.
O ex-presidente do CNPq Glaucius Oliva disse ainda que vê com preocupação a situação do órgão. "Perdeu a capacidade de expandir bolsas e assim compromete o futuro de jovens cientistas."
"A política científica não pode ser inventada em Brasília e comunicada aos cientistas. Não queremos receber um 'prato feito'", disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, pedindo mais participação.
Kassab respondeu às falas dizendo que não há demanda mais significativa do que a de recursos e que se empenhará em aumentá-los. "Eles virão primeiro da recuperação da economia. Havendo essa aceleração, o peso político do ministério será outro fator."
No evento, o ministro também defendeu mais parcerias internacionais. Questionado depois pela Folha sobre a continuidade do programa Ciência sem Fronteiras, de internacionalização de alunos, disse que "como todos os programas, tem que ser aperfeiçoado". "Não conheço com profundidade ainda. Acho um programa louvável que tem muitos acertos e seus problemas vão ser enfrentados para que seja aperfeiçoado."
E sobre a participação brasileira no projeto astronômico ESO (Observatório Europeu do Sul), no Chile, que depende do Executivo para entrar em vigor, Kassab disse que ainda não tinha uma visão completa de como será o projeto para defender uma posição
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