Giovanna Bakaj Rezende Oliveira (*)
23 de junho de 2016
Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais (Projeto de Lei do Senado nº 555, de 2015) foi aprovado dia 21.06.2016 no Senado, com pequenas alterações do texto original e será encaminhado para sanção presidencial. O Projeto consiste, em suma, na regulação da governança corporativa, e das licitações e contratos no âmbito das estatais. O presente artigo se ocupará da primeira parte da lei, ou seja, da regulação da governança corporativa nas estatais.
Antes da aprovação final pelo Senado, a Câmara dos Deputados votou o projeto de lei e propôs alterações no texto original. Dentre as alterações propostas pela Câmara dos Deputados, em relação à estrutura da governança corporativa nas estatais, estavam a eliminação do critério de que, para ocupar as vagas de presidente, diretor ou conselheiro de administração, a) os dirigentes sindicais e partidários teriam de ter saído dos respectivos cargos há pelo menos três anos, e b) não poderiam ter trabalhado em campanhas eleitorais nos três anos anteriores, além da redução do percentual de 25% para 20% do número de conselheiros de administração independentes.
As mudanças propostas pelos Deputados receberam fortes críticas de que o texto fora esvaziado ao afrouxar as regras que limitavam as indicações políticas para cargos de comando nas estatais.
O texto aprovado no Senado, contudo, rejeitou as mudanças propostas pela Câmara dos Deputados e manteve intacto o propósito inicial do projeto, ou seja, a proibição de que pessoas com cargos políticos ou atuação partidária e sindical exerçam cargos de comando nas estatais.
O debate, contudo, talvez esteja perdendo a essência do problema. E, para compreender a essência do problema, é crucial fazer os seguintes questionamentos: é possível eliminar a influência política no comando das estatais? E, caso se conclua não ser possível, como diminuir esta influência?
Apesar do Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais ter sido elaborado com o intuito de evitar a prevalência de interesses políticos escusos em detrimento das empresas, dos investidores e do interesse público, por meio da implementação de estruturas de governança corporativa, e para evitar a repetição de casos de corrupção sistêmica como o da Petrobrás, é difícil acreditar na efetividade desse projeto que, em breve, se transformará em lei.
O projeto apenas reforça os deveres dos administradores para com as empresas que já estão definidos em diversos diplomas legais, inclusive na Constituição e, todavia, são sistematicamente descumpridos, conforme se vê nos casos de corrupção que estão na mídia.
A Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), por exemplo, prevê expressamente o dever de informar, o dever de lealdade, o dever de diligência, o dever de não agir em conflito de interesses com a companhia e a responsabilização dos administradores em casos de descumprimento dos deveres. O Código Civil (Lei 10.406/2002) define o dever de cuidado e diligência, de orientar a empresa para os fins do objeto social e a proibição de usar indevidamente a personalidade jurídica da empresa. A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) determina que tanto a sociedade de economia mista, quanto a empresa pública, bem como entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devem garantir a transparência. A Constituição Federal prescreve a transparência do Estado, além de estabelecer os princípios gerais da atividade econômica.
Um dos poucos pontos abordados pelo Projeto de Lei das Estatais que ainda não está regulamentado em outros textos legais é a proibição de políticos, ou seja, de Ministros de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal, titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, dirigente estatutário de partido político e de pessoa que exerça cargo em organização sindical ou cargo comissionado, ocuparem os cargos de dirigentes das estatais.
O que se observa, contudo, é que, mesmo que os mencionados políticos sejam impedidos de ocupar os cargos de dirigentes, não será neutralizada a interferência política na administração das estatais. Impedir essas pessoas de ocuparem os cargos de dirigentes nas estatais não significa que os administradores indicados por políticos cumprirão os deveres previstos na nossa legislação ou a estrutura de governança corporativa proposta pelo projeto de lei. A Petrobrás, por exemplo, possuía um programa de governança corporativa que, contudo, não funcionou, pois existia apenas no papel.
Existem regras de soft law que incentivam a autorregulação do mercado no que diz respeito à governança corporativa como, por exemplo, o Programa Destaque em Governança das Estatais da BM&F Bovespa, o Código de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), as Diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre governança corporativa para empresas de controle estatal e discussões no âmbito do Banco Mundial.
A criação da Lei de Responsabilidade das Estatais não garante a efetividade dos programas de governança corporativa. As regras existentes no nosso ordenamento jurídico e os guidelines internacionais e nacionais acima apresentados são suficientes para que os dirigentes atuem com transparência e no melhor interesse das empresas, dos investidores e do interesse público na consecução dos objetos sociais.
Ao menos no que diz respeito à parte da lei que regula a governança corporativa nas estatais, ela tem de ser aprimorada para criar mecanismos que gerem efetividade da governança corporativa e transparência, sem jamais crer na utopia de que não haverá interferência política nos dirigentes das estatais.
As estatais são de controle do Estado e os dirigentes são indicados por políticos, logo, é utópica a ideia de que a interferência política será neutralizada. Há, contudo, que se criar instrumentos para conter a interferência política que gera decisões contrárias aos interesses da companhia, dos investidores e do interesse público (a discussão sobre qual interesse deve prevalecer nas estatais fica para outra oportunidade!).
Um bom exemplo de mudança institucional de sucesso ocorreu na Statoil, estatal norueguesa do ramo do petróleo. Assim como aqui, lá as decisões no âmbito da companhia eram tomadas muitas vezes por interesses políticos e em detrimento da companhia. Houve, contudo, uma mudança institucional e o Estado adotou medidas concretas e efetivas para que as decisões passassem a ser tomadas no melhor interesse das empresas estatais buscando maximizar o lucro e a transparência, objetivos esses que passaram a ser claros e explícitos.
O Estado Norueguês mudou a sua postura e passou a publicar um documento denominado State Ownership Report, que é a tradução do que poderia ser transparência em estatais. Nesse documento são apresentados dados contábeis sem contabilidade criativa, gráficos de performance, investimentos, prejuízos, inovação, projetos bem sucedidos e os que geraram prejuízos, informações não financeiras relevantes, os objetivos públicos das companhias e os custos para a consecução dos mesmos, dentre diversas outras informações. Além disso, são realizados debates e consultas públicas sobre o assunto. Naquele país, portanto, houve e continua havendo um esforço para criar uma cultura empresarial de ética e cumprimento dos deveres dos administradores.
É importante destacar que mesmo na Noruega o modelo não é perfeito, pois a interferência política continua ocorrendo nas estatais, mas, devido aos padrões de transparência adotados e a mudança institucional, a maioria das decisões é tomada visando a maximização do lucro da estatal e, com o lucro, a realização do interesse público.
Diante do quadro exposto, é importante que a nova lei seja maturada, para que o programa de governança corporativa das estatais seja efetivo e não, mais uma vez, um texto legal com altos custos e sem a necessária efetividade.
Muito além de leis, é fundamental a criação de uma cultura de ética empresarial e a demonstração dos benefícios advindos do cumprimento dos deveres pelos administradores, por meio de encontros, debates e aperfeiçoamento de mecanismos de transparência para controle.
A sugestão é de que a mudança institucional, ao menos no âmbito federal, seja capitaneada pelo Departamento de Coordenção e Governança das Empresas Estatais do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, pois é o órgão cujas atribuições envolvem o aperfeiçoamento da gestão administrativa das empresas estatais federais pelo aumento da eficácia e transparência. Assim, aproveita-se a estrutura existente sem gerar maiores custos para o Estado.
Além disso, seria interessante a cooperação e o diálogo do mencionado Departamento com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, por ser um instituto especializado na pesquisa e na estruturação de programas de governança corporativa, bem como com a BM&F Bovespa, por sua experiência de mercado. A cooperação geraria intercâmbio de informações e experiências, serviria de mecanismo para acelerar a nossa mudança institucional, além de ampliar o impacto da lei.
(*) Mestranda na Universidade de Brasília (UnB) e Sócia do Garcia de Souza Advogados
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