sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Palestra no INPE: O Reitor Dr. José Vicente fala sobre Igualdade Racial

Redação SindCT
Shirley Marciano
11 de novembro de 2016
José Vicente - Fotos: Shirley Marciano

No dia 10 de novembro, o INPE recebeu o Prof. Dr. José Vicente para ministrar uma palestra sobre igualdade racial. Ele é Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, de São Paulo-SP, e um ativista nesta área. 

Para ele, há ainda no Brasil e no mundo um longo caminho a ser percorrido para chegar a uma condição em que seja possível afirmar que o negro possui direitos iguais. Ele explica que tudo isso decorre de um contexto histórico escravagista e de uma abolição mal feita, no caso brasileiro. É categórico em afirmar que o racismo, a discriminação e o preconceito estão presentes na sociedade, independente de questões sócio-econômicas do negro. 

Seguem os principais trechos de sua palestra:

Mais fotos aqui.

Os primeiros passos



Houve algumas iniciativas de criação de uma escola que pudesse debater temas políticos e sociais. Um dos espaços criados, em 1933, para essa finalidade,  foi a Escola Livre de Sociologia e Política. Em 1938, ela foi oficializada com uma Instituição de Utilidade Pública, a qual, no ano seguinte, é anexada à Universidade de São Paulo (USP). Ali havia cerca de 10 negros matriculados. Estudavam Direito e Biblioteconomia. Ali surgiu a ideia de estudar questões que tratassem do Negro, como a sua história. Foi então que apareceu a oportunidade de conhecer as práticas educacionais dos EUA. 

Eles tinham universidades só para negros. Nós ficamos encantados, e então pensamos em fazer um mesmo modelo no Brasil. Apesar dos avanços americanos, havia neste país um apartheid. Era algo como 'separados mais iguais em direitos'. A primeira universidade para negros dos EUA surgiu em 1837. No auge havia 200 universidades. Grandes nomes como o Luther King esteve nesse processo de expansão dos direitos dos negros naquele país. As igrejas evangélicas tiveram um papel importante nessas questões do ensino para os negros, em especial a igreja Metodista.

Os negros do Brasil

Há 20 anos o corpo docente da USP era de 3%. A condição do negro no Brasil era tratada de uma maneira descompromissada. Ao passo que deveria estar sendo discutidos temas como a Abolição, as reparações, as inclusões, a consciência, entre outros assuntos importantes ligados ao contexto histórico do negro. A Lei Áurea deu a liberdade, mas ela não tratou das consequências de uma população que estaria sendo jogada à margem da sociedade. 
Na sequência, o Brasil erra novamente, deixando de lado o negro e trazendo imigrantes para fazer a reconstrução do país. Aos imigrantes era garantido um conjunto de direitos, aos negros, não. 

Políticas públicas afirmativas: cotas

Inicialmente tentou-se fazer uma escola preparatória para alunos negros entrarem na USP, mas acabou não dando certo. Não houve condições naquele momento. Foi quando surgiu a ideia de obter vagas para negros em faculdades particulares. A igreja metodista, até pela sua tradição nesse trabalho com os negros nos EUA, ela sai na frente e disponibiliza algumas vagas. Chegou a 1000 alunos matriculados, porque várias outras universidades aderiram. 

Esses avanços foram impulsionados por diretrizes discutidas na Organização das Nações Unidas (ONU). Elaborou-se, na ocasião, uma cartilha, na qual dizia que o racismo no mundo existia, e que não era só uma questão social, como dizia a maioria dos países. Ou seja, independente de razões sócio-econômica, o racismo, o preconceito e a discriminação estavam presentes. 

Aqui no Brasil, ao contrário do que muitos pensam, as políticas afirmativas, como a de cotas, surgiram no governo de Fernando Henrique Cardoso, porque ele era muito dedicado ao tema. Mas é também um fato concreto que esses avanços 'voaram' nos últimos 20 anos certamente pelo esforço e iniciativa dos governos do PT. 

Faculdade Zumbi dos Palmares

A ideia de construir uma escola de negros foi visto como algo negativo por muitas pessoas, pelo fato de colocar, de certa forma, uma divisão. Essa confusão foi impulsionada pela imprensa, pela forma como ela tratou a questão. Falava-se em apartheid. No entanto, por meio de muitas conversas com os governos e com a própria imprensa, a universidade passou a ser aceita como algo bom. 
Por fim, a Faculdade Zumbi dos Palmares, que tem 13 anos de existência, já teve 1800 alunos e atualmente, possui 1100 matriculadas nos 6 cursos que são oferecidos. 

O racismo traz reflexos maléficos

Mesmo com os avanços do negro nas universidades e também no mercado de trabalho, o racismo não foi eliminado. Isso põe por terra qualquer argumento de que o racismo esteja vinculado a uma questão social. E isso se reflete no mercado de trabalho e no cotidiano das pessoas. O corpo docente da USP continua praticamente no mesmo patamar, 4%, embora nas demais universidades tenha avançado  para cerca de 14%. No entanto, proporcionalmente ainda é pouco. 

É importante salientar também que os negros não ocupam cargos de primeiro escalão nas grandes empresas sediadas Brasil. Não há nenhum presidente de grande empresa que seja negro. 

Outro indicador bastante complicado, que comprova mais uma vez a existência do preconceito, é a de que hoje acontece cerca de 60 mil assassinatos no Brasil por ano, sendo que 80% desse percentual é de jovens, desses 80% são de negros. 

Meritocracia

A meritocracia tem que ser entre iguais ou acaba gerando um plutocracia. Se o acesso não é igual, então há um fator de desiquilíbrio.

Refletindo

É preciso se debruçar sobre esse tema. O problema não é do negro. É de todos nós. Não há felicidade sabendo que metade do grupo está sendo ofendido. Hoje, no Brasil, são 53% de negros. Enquanto nação, é melhor que estejamos todos juntos e misturados. Todos somos irmãos. Então, o conhecimento leva à consciência. 

Homenagem à Luiz Gama, o advogado dos escravos 


Esse ano Luiz Gama será o homenageado em 21 de novembro, nas comemorações do dia da Consciência Negra. Ele foi um dos mais importantes abolicionista do Brasil. É filho de mãe negra livre com um fidalgo português.  Após sua mãe ser deportada por motivos políticos, o próprio pai o vende aos 10 anos como escravo a um fazendeiro. Por sorte, ele é alfabetizado por um estudante que visitava o fazendeiro e, anos depois, foge. Por fim, trabalhando numa universidade, ele passa a assistir as aulas de Direto e, posteriormente atua como rábula (exercia a profissão, mas sem diploma e sem ser denominado advogado). Ele consegue libertar cerca de 500 escravos, mas morre em 1882 sem ver a Abolição concretizada. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o reconhece como advogado.






Breve histórico do Prof. Dr. José Vicente

Ele possui doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2012), é Mestre em Administração pela Universidade Metodista de Piracicaba (2007) e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (1988). Acesse o Curriculum Lattes.

Cargos Exercidos: Fundador e presidente do Instituto Afrobrasileiro de Ensino Superior, fundador presidente da Afrobras - Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República – CDES; membro do Conselho da Cidade da Prefeitura de São Paulo, membro do Conselho de Auto-regulação Bancária – Federação Brasileira de Bancos -Febraban, membro do Conselho Superior de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP, membro do Conselho Consultivo do Centro de Integração Empresa Escola - CIEE, membro titular do Movimento Nossa São Paulo, conselheiro diretor da Fundação Care/SP, membro titular do Movimento Todos Pela Educação, membro do Centro de Integração Empresa Escola - CIEE e membro do Conselho do Memorial da América Latina.

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