MCTI
3 de maio de 2016
Luiz Davidovich é físico e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Crédito: ABC
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Para o físico Luiz Davidovich, país deve seguir exemplos de nações que enfrentaram crises econômicas ampliando os investimentos em P&D. Segundo ele, MCTI teve papel fundamental no desenvolvimento do Brasil e deve ser fortalecido.
O físico Luiz Davidovich, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assume a presidência da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que completa 100 anos nesta terça-feira (3). Ele substitui o matemático Jacob Palis, que estava à frente da entidade desde 2007. Em entrevista ao Portal MCTI, Davidovich afirmou que a saída para crise econômica está na ampliação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
"O Brasil precisa reconhecer as áreas prioritárias e investir pesado", defendeu. Para ele, a ciência nem sempre tem aplicação imediata, e o Brasil deve apostar nas grandes revoluções. "Temos que estar na fronteira da ciência internacional, procurar atividades de pesquisa que podem resultar no futuro em grandes revoluções tecnológicas e sociais, mudando a nossa vida."
MCTI: O que podemos esperar da sua gestão na ABC?
Luiz Davidovich: A ABC tem produzido estudos sobre vários temas de grande relevância para o país. São trabalhos acompanhados de propostas de suma importância. O trabalho sobre reforma da educação superior, por exemplo, deu origem à Universidade Federal do ABC, que é uma universidade moderna, com possibilidade de formação interdisciplinar, contemporânea, para graduação em diversas áreas e saiu de recomendação da Academia. Nos últimos anos, a ABC construiu essa reputação de ser um centro de pensamento sobre o país que gera propostas de políticas públicas muito consistentes, pois são embasadas na competência científica dos membros da academia.
Essa tem sido uma tarefa importante da Academia e a nova diretoria pretende continuar e ampliar, abordando temas que ainda não foram considerados e que são importantes para o país: fontes de energia, tecnologias portadoras de futuro, como nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia de informação, outros biomas, além da Amazônia, como o Mar, para o desenvolvimento sustentável do país. Pretendemos continuar nessa linha envolvendo um número cada vez maior de membros. É importante que os membros participem cada vez mais desses estudos e da formulação dessas propostas de políticas científicas.
MCTI: A difusão da ciência também será prioridade?
Luiz Davidovich: A Academia tem a tradição de cultivar a curiosidade e o fascínio pela ciência. Promove também a educação em ciência. É uma preocupação da ABC desde a sua fundação. Vamos dar uma atenção especial à difusão da ciência. Explicar as grandes novidades da área para população, bem como, a importância da CT&I para o desenvolvimento do país. Vamos continuar e aprofundar o intercâmbio internacional, a ação com organizações científicas internacionais.
Queremos fazer um trabalho político também, no sentido de que as propostas sejam atendidas e aproveitadas pelo governo. A nossa pauta vai incluir também o esclarecimento de governos que acham que a ciência tem que ter sempre aplicação imediata. Um engano. Grandes revoluções tecnológicas iniciam-se na pesquisa básica que não tinham ideia, quando foi realizada, de possíveis aplicações. A física quântica, cem anos depois, representava 1/3 do PIB dos Estados Unidos, e no início não tinham ideia da sua aplicação. O Brasil não pode ficar fazendo a pequena inovação e não apostar nas grandes revoluções. Nós temos que estar na fronteira da ciência internacional, procurar atividades de pesquisa que podem resultar no futuro em grandes revoluções tecnológicas e sociais, mudando a nossa vida.
MCTI: Como a atual conjuntura política brasileira afetou o setor?
Luiz Davidovich: Essa é uma pauta urgente. Vamos ter uma posição muito determinada em relação à CT&I no país. Quero mencionar os cortes substanciais nos orçamentos do MCTI e do MEC [Ministério da Educação]. Esses cortes interrompem ou atrasam o trabalho de rede de pesquisa, da oferta de bolsas, acaba precarizando a pesquisa, a inovação e a educação. O corte de bolsas é especialmente dramático, porque atinge estudantes que, de fato, serão os pesquisadores de amanhã, do futuro do Brasil. São aqueles que poderão ser os grandes criadores da inovação tecnológica de que o Brasil tanto precisa. Serão os cientistas que vão estar associados às grandes revoluções do conhecimento e as grandes revoluções tecnológicas. Esses cortes atingem em cheio o futuro do país. Nós vamos lutar contra isso.
MCTI: Qual é a alternativa num cenário de crise?
Luiz Davidovich: As pessoas acham, frequentemente, que a crise econômica implica necessariamente em cortes em todos os setores da vida pública. Isso é um mito que é contrariado pelo que acontece em vários países. A China, por exemplo, em momentos de crise aumenta o investimento em pesquisa, em particular, na pesquisa básica. No mesmo discurso em que o primeiro ministro chinês diz que o crescimento do país vai desacelerar ele diz que irão aumentar os investimentos em pesquisa básica e nas melhores universidades.
Eles fazem isso porque sabem que esse é o meio de sair da crise, de alavancar o desenvolvimento de forma sustentável, através da inovação tecnológica e da atividade científica. Não é só a China. Os países da Europa chegaram a um acordo, recentemente, no sentido de alcançar investimento em P&D de 3% do PIB em 2020. O investimento do Brasil em P&D, atualmente, é da ordem de 1,5%. A proposta da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e também da ABC era no sentido de alcançar 2% do PIB de investimento em P&D em 2020. No andar da carruagem, esse objetivo é uma quimera, não sei se será alcançado.
O Brasil vai ficando para trás em relação a outros países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia, que estão apostando em pesquisa em plena crise, porque acham que o desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para sair da crise. Essa é uma pauta importante da ABC.
MCTI: Como você avalia a ciência, tecnologia e inovação no Brasil?
Luiz Davidovich: Com o apoio que nós tivemos, desde 1950, quando foram fundados o CNPq e a Capes, deu origem a um parque científico muito importante no Brasil. Graças a essas iniciativas, surgiram jovens pesquisadores brilhantes que têm contribuído para o desenvolvimento do país e para o protagonismo internacional da ciência brasileira, que é muito importante.
Elevou o Brasil a outro patamar. Nós vislumbramos um horizonte mais longínquo que mostra o que nós podemos alcançar e aumenta a nossa ambição. O Brasil precisa ter ambição na ciência. Nós estamos bem, mas podíamos estar muito melhores. Já publicamos nas melhores revistas internacionais, mas pelo menos em algumas áreas nós precisamos pautar a ciência internacional. Não é seguir o que os outros fazem, é fazer com que os outros nos sigam.
O Estado precisa reconhecer que em épocas de crise você pode cortar muita coisa, mas não pode cortar o motor do desenvolvimento que é a ciência e a tecnologia, pois não vamos para frente. O Brasil precisa reconhecer as áreas prioritárias e investir pesado nessas áreas. A ciência é motor do futuro, então se você joga fora esse motor você não vai chegar ao futuro. Com ajustes fiscais você pode até estabilizar a economia por certo tempo até a próxima crise. Nós queremos evitar essa sucessão de crises, de uma economia fortemente baseada em exportação de commodities.
Queremos que se aumente o valor agregado da produção brasileira de modo que o país possa ter protagonismo internacional na ciência, no comércio, nos produtos que colocar no mercado internacional. Não podemos continuar vivendo nesse perfil que vem desde os tempos da colônia.
MCTI: O MCTI completou 30 anos em 2015. Qual a importância da pasta para consolidação da ciência no Brasil?
Luiz Davidovich: [O ministério] tem tido papel muito importante para o Brasil na articulação dos institutos de CT&I e no país. É o ponto central. Tem sido um órgão muito importante. Certamente, a sua criação foi fundamental para o desenvolvimento que o Brasil teve nos últimos anos. É um ministério bastante moderno. São projetos construídos em debates. Deveria ter uma centralidade maior. A nova diretora da ABC irá defender a integridade e a individualidade do MCTI como órgão central da articulação da ciência no país, portanto, para o desenvolvimento brasileiro. Iremos defender isso. Vamos proteger o conhecimento e garantir o futuro do Brasil.
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