Jornal do SindCT
Shirley Marciano
4 de maio de 2016
Herbert Claros, dirigente sindical metalúrgico/ Crédito: Shirley Marciano |
Estatal bem sucedida, empresa foi privatizada em 1994
“O governo federal tem que exigir maior comprometimento da empresa com o país. Está ocorrendo uma desnacionalização da Embraer ano a ano”, denuncia Herbert Claros da Silva, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos. A Embraer surgiu em 1969, como empresa estatal vinculada ao Ministério da Aeronáutica.
Antes mesmo de ser privatizada — o que ocorreu em 1994, durante o governo Itamar Franco — a Embraer colecionava indicadores de sucesso. Nos dias de hoje, tendo alcançado um patamar privilegiado no mercado internacional e nacional, a Embraer S/A é a terceira maior fabricante de aviões do mundo, perdendo apenas para as gigantes Boeing e Airbus.
É também a empresa brasileira de tecnologia que mais exporta. Com valor de mercado na casa dos R$ 22,3 bilhões e um total de mais de 740 mil ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e na de Nova Iorque (NYSE), a Embraer desenvolve e fabrica aviões executivos, comerciais e de defesa.
Esse bom desempenho pode ser atribuído ao lado visionário de quem acreditou que era possível produzir aviões no Brasil. Porém, os êxitos obtidos pela Embraer só foram possíveis graças aos recursos disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que aprovou créditos bilionários para execução dos projetos da empresa. Por essa razão, o governo deveria exigir da Embraer prioridade na contratação de empresas brasileiras e da força de trabalho, a fim de criar um ambiente que fomente uma forte cadeia produtiva nacional. Seriam as contrapartidas naturais da empresa ao financiamento que vem recebendo do BNDES. Mas não é o que acontece.
Os dados de 2014 revelam que dos R$ 2 bilhões gastos com fornecedores, apenas R$ 191 milhões — menos de 10% do total — foram pagos a empresas de capital nacional. Desse modo, cria-se um paradoxo e uma dúvida com relação aos resultados reais dessa empresa: a Embraer traz divisas para o país, porque ela basicamente só exporta, por outro lado vale-se de financiamento público para pagar fornecedores estrangeiros. Uma vez confrontados esses dados, quanto poderá ser aferido como sendo propriamente superávit?
“Buscamos apresentar uma questão que pode ser muito óbvia, mas deve ser constantemente lembrada: o governo brasileiro tem que ter mais ações que criem sinergias para fomentar a cadeia produtiva aeroespacial nacional, para gerar capacidades de alta escala tecnológica, emprego e renda, divisas, impostos e afins. Um círculo virtuoso no qual todo o País ganha”, assinala Ivanil Elisiário Barbosa, presidente do SindCT.
Dupla voraz
Para se ter uma ideia, de 2010 a 2014 Embraer e Odebrecht juntas receberam 81% dos recursos destinados a empresas exportadoras, conforme informações do próprio BNDES, constantes em relatório público.
Desse percentual, 40%, que representam US$ 4,92 bilhões, foram repassados à Embraer. Montante considerado tão alto que levou o Ministério Público Federal a investigar a legalidade dos empréstimos realizados a essas empresas, de acordo com publicação no site jornalístico Congresso em Foco.
Quando considerado o total de recursos repassados pelo BNDES à Embraer (R$ 4,92 bilhões), os gastos com empresas nacionais (R$ 191 milhões) representam apenas 3,8% do total. Outro dado que chama a atenção é o crescimento dos postos de trabalho criados pela Embraer em outros países. De acordo com dossiê elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e região com colaboração do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), entre 2009 e 2013 houve um aumento de 61% nos postos de trabalho criados pela empresa no exterior, ao passo que os postos de trabalho criados por ela no Brasil cresceram apenas 13% (http://migre.me/toImq).
É verdade que o contingente de trabalhadores ligados à empresa no Brasil ainda é muito maior: até o final de 2014 o total era de 17.094, contra 2.073 no exterior. No entanto, a tendência é preocupante. “Acreditamos que todos os trabalhadores do mundo são merecedores de oportunidade. Porém, neste caso, o financiamento público deveria trazer maior comprometimento da empresa com o País, e isso é o governo federal que tem que exigir. Entendemos que está acontecendo uma desnacionalização da Embraer ano a ano”, denuncia Herbert Claros da Silva, vice- presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Vale ressaltar que nos dados acima não estão sendo considerados os funcionários das subsidiárias.
A Embraer possui 51% das ações da Harbin Embraer Aircraft Industry (HEAI), na China; 65% das ações da OGMA, em Portugal; e uma joint-venture com a Zodiac Aeroespace no México. Quando levados em conta os funcionários dessas subsidiárias, o número total de trabalhadores vinculados à empresa fora do Brasil somava 4.684 até o final de 2013. Em 2014 houve um desaquecimento do setor e cortes na força de trabalho tanto no Brasil quanto no exterior. “Não é só a perda de produção dos aviões — que quase toda está sendo passada para empresas estrangeiras —, pois junto também estão indo as tecnologias.
Aqui está ficando praticamente só a produção de aviões da área de defesa e, mesmo assim, tem muitas peças sendo compradas fora”, adverte Herbert. A Embraer nasceu de um projeto estratégico para implementar a indústria aeronáutica no país, num contexto de políticas de substituição de importações. Tudo começou com a criação do CTA (a partir de 2009, DCTA) e o ITA — respectivamente, em 1946 e 1950 — pelo coronel-aviador Casimiro Montenegro Filho. Assim, dentro do CTA, em 1969, nasceu a Embraer e foi nomeado o seu primeiro presidente, o coronel e engenheiro Ozires Silva.
Ele organizou parcerias internacionais, e, inicialmente, projetou e fabricou, o Bandeirante, o Xingu e o Brasília. Depois viria o AMX, desenvolvido conjuntamente com a Itália Nos anos 1980 e início dos 1990, uma forte crise global no setor também atingiu a Embraer. A área de aviação dispensou 25% de seus quadros: 470 mil trabalhadores. Contraditoriamente, nesse período, o governo brasileiro agiu na contramão, isentando as empresas estrangeiras de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o que estrangulou ainda mais a Embraer.
Ela, por sua vez, recolhia ao governo à época nada menos do que 19,2% de impostos sobre as aeronaves produzidas. Por fim, a empresa adquiriu uma dívida de US$ 1 bilhão em valores da época e assim — propositalmente sucateada — foi submetida a forte pressão para ser privatizada. Assim, a empresa, que hoje vale R$ 22, 3 bilhões, foi vendida por US$ 110 milhões, cerca de R$ 154 milhões em valores da época — portanto, foi literalmente entregue a preço de banana. Além disso, o pagamento se deu com títulos de dívida pública, que sofriam uma desvalorização de 50%. E, para tornar ainda mais criminosa a operação de privatização, o governo injetou US$ 700 milhões para quitar parte da dívida.
Após a privatização, o engenheiro Maurício Botelho, que foi presidente da Odebrecht, assume a direção da Embraer. Ele fez avançar muitos projetos importantes e investiu na concepção de uma aeronave de maior porte, com propulsão a jato: o ERJ-145, e na mesma tendência, o Embraer 170 e o Embraer 190. Em 2007, o engenheiro Frederico Curado assume a presidência da empresa e passa a apostar na internacionalização: criação da joint-venture com a China para fabricação do Legacy 600 e 650 e a nova fábrica em Évora, Portugal, provavelmente para atingir o mercado europeu.
Também lhe coube tocar o KC-390, projeto de cargueiro militar desenvolvido conjuntamente com a Aeronáutica. Por outro lado, Curado está envolvido em uma polêmica, ainda sob apuração na Justiça. Ele foi citado numa reportagem do The Wall Street Journal, em 16 de março de 2016, por ter supostamente realizado pagamentos ilícitos ligados à venda de aeronaves militares para a República Dominicana, em 2008. Fizemos contato com a Embraer, mas até o momento do fechamento desta edição não houve retorno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva sua mensagem.