Reinaldo José Lopes
24 de março de 2016
O atual diretor do órgão, Leonel Perondi, que deve deixar o cargo em maio deste ano - Lucas Lacaz/Folhapres |
O processo de escolha de um novo diretor para o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) está colocando em campos opostos o sindicato de funcionários do órgão e o governo federal. Para o grupo sindical, o comitê formado para avaliar os candidatos a diretor não age de forma transparente e tem conflitos de interesse por suas ligações com o setor privado.
"No mínimo, falta ao comitê a isenção necessária para conduzir esse processo", diz Gino Genaro, especialista em controle térmico de satélites e secretário de comunicação do sindicato dos funcionários do Inpe e do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial).
O Inpe é hoje o principal órgão de pesquisa e tecnologia espacial do Brasil. Com sede em São José dos Campos (SP), o instituto é responsável por dados de previsão do tempo em todo o país, pelo monitoramento do desmate e das queimadas na Amazônia e pelo desenvolvimento de satélites, entre outras funções (veja quadro). Seu diretor tem mandato de quatro anos –o atual chefe do órgão, Leonel Perondi, deve deixar o cargo em maio.
Para chegar ao nome do novo diretor, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) instituiu, no fim de janeiro, um comitê de busca presidido pelo matemático Marco Antonio Raupp, ex-ministro da Ciência e ex-diretor do Inpe, que hoje coordena o Parque Tecnológico de São José dos Campos.
Também integram o comitê a presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Helena Nader, o físico Rogerio Cezar de Cerqueira Leite, pesquisador da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha, Luiz Bevilacqua, engenheiro da UFRJ, e Reginaldo dos Santos, da Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space.
Genaro e seus colegas criticam a falta de um representante direto da comunidade do Inpe no comitê. Afirmam também que os membros do grupo teriam a intenção de escolher um diretor favorável à transformação do instituto numa OS (Organização Social), entidade sem fins lucrativos, mas gerida de forma privada em parceria com o governo. Segundo o sindicalista, esse seria há tempos o desejo de Raupp, o que o chefe do comitê nega (leia ao lado).
"A legislação brasileira diz que a administração por meio de uma OS não deve ocorrer em áreas estratégicas para o país", argumenta Genaro. "Claro que há uma certa subjetividade em se definir o que é estratégico. Mas, no caso do Inpe, lidamos com as imagens do desmatamento da Amazônia ou com os inventários de emissões de carbono [ligadas ao aquecimento global] que são passadas para a ONU, o que certamente se encaixa na categoria. Além disso, é uma área em que é importante o funcionário ter autonomia para não seguir ordens de seus superiores em determinadas circunstâncias, o que é impraticável no regime privado."
Para o sindicalista, a proximidade entre Raupp e as empresas de base tecnológica de São José dos Campos, por causa do papel dele como diretor do parque tecnológico da cidade, também impediriam que ele fosse suficientemente objetivo ao conduzir a busca por um novo diretor.
Genaro critica ainda o fato de as inscrições dos candidatos terem sido prorrogadas do dia 4 de março para o dia 24 deste mês. "Nós já havíamos identificado ao menos cinco candidatos inscritos até o dia 4. Para que eles precisam de mais? Provavelmente para achar gente mais afinada à visão deles."
Os candidatos ao cargo de diretor farão uma apresentação a respeito de suas propostas para o Inpe (sem debate posterior) e serão entrevistados pelo comitê de busca. Depois disso, será elaborada a lista tríplice, a partir da qual será feita a nomeação do novo dirigente pelo MCTI.
MÁ-FÉ
O grupo sindical age e argumenta por "ignorância ou má-fé", declarou Marco Antonio Raupp à Folha. "Todos os membros do comitê têm longa história de dedicação ao serviço público, não há interesse privado algum. Além disso, são todas pessoas que conhecem muito bem os objetivos do programa espacial brasileiro, é absurdo dizer que são gente de fora, que não conhece o Inpe."
Raupp nega que seja favorável a transformar o instituto numa OS. "Nunca defendi isso, não defendo até hoje." No entanto, argumenta que intensificar a interação com a iniciativa privada pode ser salutar para o órgão. "Mesmo em países nos quais o Estado é proprietário dos meios de produção, como a China, as missões espaciais são executadas por empresas que têm contrato com o governo."
Um antigo alto funcionário do Inpe, que não quis se identificar, lembra que o JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), entre outros órgãos, são geridos por entidades privadas, apesar de lidarem com tecnologias sensíveis.
Para esse pesquisador, há uma grande dificuldade do Inpe para cumprir seus objetivos por causa da maior rigidez do modelo público. "Institutos que têm que cumprir missões precisam de agilidade para contratar e reduzir o quadro quando necessário."
O físico Rogerio Cezar de Cerqueira Leite diz que "todo pesquisador consciente sabe que algumas instituições brasileiras estão maduras para uma transformação para OS".
"Entretanto, esse é um processo prolongado e que exige sensibilidade e convicção da comunidade interna. Não creio que qualquer um dos membros do comitê pense em uma transformação precipitada sem um prolongado estudo das consequências."
O QUE É O INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS
Fundação: 1971, durante o regime militar
Instalações: situadas por todo o país, embora a sede fique em São José dos Campos (SP)
Responsabilidades:
> Monitorar o desmatamento da Amazônia e da mata atlântica via satélite
> Previsão do tempo e de mudanças climáticas
> Observações astronômicas
> Projetos de satélites nacionais e em parceria com outros países
A ESCOLHA
O MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) montou um comitê de busca composto por:
Marco Antonio Raupp, diretor do Parque Tecnológico de São José dos Campos e ex-ministro da Ciência
Rogerio Cerqueira Leite, físico da Unicamp
Luiz Bevilacqua, engenheiro da UFRJ
Helena Nader, presidente da SBPC (So- ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência)
Reginaldo dos Santos, da Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space
Os candidatos se inscrevem até o fim desta semana. A partir daí, o comitê forma uma lista tríplice que é encaminhada para o MCTI. O ministro, então, escolhe o novo diretor, cujo mandato dura quatro anos
Membros do sindicato de funcionários do Inpe estão questionando a escolha do comitê de busca
Eles apontam que não há um representante do Inpe no comitê e que há conflitos de interesse envolvendo os membros do grupo, já que eles defenderam que parte das funções do órgão sejam transferidas para a iniciativa privada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva sua mensagem.