essa matéria com meu estimado amigo Amauri Montes é anterior ao nascimento do blog, mas pela sua riqueza em informação, trago-a para nosso espaço.
Pedro Cândido, obrigada por me lembrar!
Shirley Marciano
Inpe
11 de janeiro de 2016
Coordenador da ETE, Amauri Montes |
Nesta edição do INPE Informa, dando sequência à série de entrevistas sobre o novo Plano Diretor (2016-2019) do INPE, o coordenador da Engenharia e Tecnologia Espacial (ETE), Amauri Montes, destaca os 30 anos de história das atividades espaciais do Instituto e o sucesso da política industrial implementada com o desenvolvimento dos satélites CBERS 3 e 4. Para Montes, estes satélites representam um marco nas atividades espaciais. A equipe da ETE enfrentou desafios de desenvolvimento e gerenciamento enquanto a indústria nacional ampliou seu nível de participação no programa espacial, assumindo compromissos que resultaram em inovação de produtos e processos.
O coordenador da ETE acredita que o atual momento de crise econômica pode ser uma oportunidade para reorganizar e discutir a agenda do setor e estabelecer um novo modelo de governança para a área espacial, tema em discussão no Grupo de Trabalho Interministerial, criado recentemente pelos ministérios da Defesa e de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Para Amauri Montes, o novo Plano Diretor, apesar de ainda não consolidado, está bem estruturado e mantém a perspectiva da política industrial de desenvolvimentos autônomos. Confira a entrevista do coordenador da ETE ao INPE Informa.
- Antes de comentar sobre as metas previstas no Plano Diretor, poderia contextualizar as atividades da ETE (Engenharia e Tecnologia Espacial) do INPE e como se deram as relações com a indústria ao longo da história do programa espacial.
Amauri Montes – Esse ano a área de Engenharia e Tecnologia Espacial completa 30 anos. Consideramos o ano de 1985 como o ano em que a ETE se estabeleceu. A MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) iniciou em 1979. Eu entrei no INPE em 1978. Havia grupos de engenharia de acordo com as especialidades. Chamavam-se departamentos, como o de Telecomunicações, entre outros, e havia o nosso grupo de Sensores e Fotônica, unido ao pessoal de Materiais. Estávamos interessados em laser, que era a novidade do momento. Havia me formado no ITA e vim por causa dessa área e desses grupos de competência do INPE.
Em 1979, surgiu a ideia de se construir satélites no INPE. Um grupo foi para a França, os mais seniores, na época na faixa dos 35 anos, eu tinha 23. Esse grupo ficou de quatro a cinco meses no CNES (Centro Nacional de Estudos Espaciais, a agência espacial francesa), na França, e voltou no segundo semestre de 1979 com o SCD (Satélite de Coleta de Dados) mais ou menos concebido. Havia muita discussão e prevalecia a ideia de se desenvolver quatro satélites: dois de coleta de dados e dois de observação da Terra. O presidente João Baptista Figueiredo aprovou a Missão em 1980.
O período de 1980 a 1985 foi de aprendizado. Muita gente acha que fazer satélite é uma coisa simples, mas há a necessidade de uma organização, de uma estrutura de gerência, de documentação, engenharia de sistemas e uma área de qualidade muito forte. O LIT (Laboratório de Integração e Testes) começou a ser concebido nessa época. Começou a construção no final de 1984. Aqui na Engenharia, a discussão era muito grande.
Um grupo esteve em estágio na SPAR Aerospace, no Canadá; muitos cursos foram realizados no INPE; eu mesmo participei de alguns no auditório do IAI; os americanos vinham dar palestras. Em 1985 conseguimos organizar a ETE, com a ajuda do pessoal do CNES e da Aerospatiale, que hoje é a Thales Alenia Space, que deram a configuração do que é a ETE hoje. Foram instalados os núcleos de competência na ETE: uma estrutura forte para gerenciar um programa espacial, uma estrutura de documentação, de Controle de Qualidade e Garantia do Produto, e Engenharia de Sistemas.
Em 1987, o LIT, que não pertence à ETE, ficou pronto. O desenvolvimento de satélites se dá na Engenharia, onde os SCDs 1 e 2 foram desenvolvidos, com alguma participação e serviços contratados na indústria, mas com um arranjo diferente do que utilizamos hoje como política industrial. Contratamos na indústria, por exemplo, usinagem e alguns tratamentos. Era um desafio. Os SCDs foram colocados em órbita em 1993 e 1998, utilizando lançadores americanos e estão funcionando até hoje. É uma coisa impressionante!
Em 1988 começou o CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite ou Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Eu fiz parte do primeiro time que foi para a China. Ficamos dois meses lá. Começamos os trabalhos com a Academia Chinesa. Foi muito difícil o início. Os chineses falavam pouco inglês naquela época. As reuniões exigiam a presença de tradutores. Tínhamos toda uma estrutura de documentação que eles não estavam acostumados. Isso foi criando laços de amizade. Hoje, há uma dinâmica muito boa, os chineses têm uma confiança muito grande no INPE.
As culturas eram muito diferentes, havia receio de assinar documentos. Eles ficavam preocupados com os compromissos internacionais, com atas de reunião. Hoje não, entendem que o contexto de uma ata de reunião é técnico. Eles estão muito tranquilos. E fomos nos adaptando. Uma vez conversei com um dos altos escalões da China, que me falou: - “Nós aprendemos a fazer documentação, gerência de projeto, com vocês; integração e testes, com o LIT”. Nós, brasileiros, por sua vez, aprendemos com os franceses e com americanos. Foram eles que desenvolveram esses modelos, incluindo a engenharia de sistemas.
Há 10 anos temos um forte componente de política industrial. Se desenvolvêssemos essa tecnologia aqui no INPE e não a levássemos à indústria, o ciclo não se completaria. Passariam alguns anos e a tecnologia se tornaria obsoleta, sem nenhum desdobramento.
Hoje estamos trabalhando com a indústria de uma maneira muito forte. Os satélites CBERS 3 e 4 representam um salto tecnológico muito grande em relação aos CBERS 1 e 2. Eles não são iguais. Nos satélites 1 e 2 a participação brasileira era de 30%, fazíamos alguns pequenos subsistemas, metade das câmeras de nossa responsabilidade veio dos Estados Unidos, como toda a ótica. Era um índice de nacionalização muito baixo.
Já no CBERS 3 e 4, fomos ousados. Assumimos a responsabilidade pela metade do satélite, e várias partes muito importantes. Fizemos toda a estrutura do satélite, de duas toneladas, nunca havíamos feito uma estrutura dessa magnitude. Desenvolvemos e construímos todo o painel solar, o sistema de potência, duas câmeras totalmente no Brasil: um projeto da Opto Eletrônica de São Carlos, a MUX; e a câmera WFI, em parceria com a Equatorial Sistemas. Só importamos materiais – chips, vidro, alumínio e entre outros. Também fizemos os transmissores de dados dessas câmeras, o gravador de bordo e o banco de memória das quatro câmeras, das duas brasileiras e duas chinesas, os sistemas de telemetria e telecomando, e as câmeras brasileiras com resolução de 20 metros. Foram avanços bastante significativos. Nunca havíamos feito uma ótica espacial e partimos logo para uma com resolução de 20 metros. Houve problema no software de solo de distribuição de imagens, mas o assunto já está equacionado. Foi um marco relevante.
Dez anos atrás, para essa nova geração do CBERS, as discussões foram acaloradas aqui na Engenharia. Havia quem achava que era um passo muito grande. Mas as contratações foram feitas, foi montado um arranjo industrial. As equipes trabalharam muito, foi um grande desafio.
Os equipamentos do satélite são desenvolvidos e produzidos em fases. A primeira é a de Projeto Preliminar quando são desenvolvidas as tecnologias, os métodos, terminando com uma revisão no final, o PDR (Revisão do Projeto Preliminar). Depois é feito o projeto detalhado dos equipamentos e/ou subsistemas.
Ao final dessa fase, é construído um protótipo, o modelo de engenharia, muito próximo ao que vai voar, com componentes não qualificados para testar a funcionalidade. A fase seguinte é a de qualificação. É construído um novo protótipo usando todos os processos e componentes qualificados, submetidos a uma série de testes ambientais. Ao final dessa fase é feita uma revisão de qualificação. Só depois disso, é que se constrói efetivamente o satélite, o modelo de voo.
Os equipamentos do modelo de voo são produzidos em um prazo de seis meses a um ano e submetidos a testes de aceitação. Depois disso, inicia-se a fase de integração do satélite. Nesse momento, a Engenharia termina o seu trabalho e os equipamentos são entregues ao LIT, que vai fazer toda a montagem e integração do satélite. Se o acordado é a integração na China, os subsistemas brasileiros são encaminhados para lá.
Para cada subsistema, é feito um rack de teste, que chamamos de GSE. Entregamos ao LIT os subsistemas e os racks com os equipamentos de teste, desenvolvidos na própria indústria. A indústria também faz os contêineres que transportam esses equipamentos. Cada equipamento vai dentro de um contêiner transportado até a China. Temos o registro de dados sobre o que o contêiner sofreu de vibração, choque mecânico, variação de temperatura, etc.
É um trabalho muito grande, muito bonito. As equipes da ETE se envolvem, as indústrias participam. Desenvolvemos a tecnologia dentro da indústria, uma visão moderna em que a indústria aprende ao longo desses processos. Aquele modelo antigo, que havia no começo dos anos 1990, com desenvolvimento de tecnologia no Instituto e transferência depois para a indústria é muito ineficiente.
Os americanos saíram na frente com esse modelo, que nós acreditamos ser o ideal. Desenvolveríamos primeiro, aqui dentro, no INPE, estudos iniciais até a construção de modelos de engenharia dos equipamentos. No momento em que a missão se iniciaria, quando a indústria é contratada, já haveria, portanto, um modelo de engenharia funcionando e, assim, os demais processos dentro da indústria seriam muito mais rápidos.
Como não temos equipes suficientes, nem recursos orçamentários para esses desenvolvimentos internos, a indústria é contratada numa fase muito inicial, quando temos que fazer todo o desenvolvimento e, por isso, todo o processo demora muito, além de se assumir maior risco.
O que buscamos no INPE é um equilíbrio. O Instituto faria desenvolvimentos e quando atingisse uma maturidade tecnológica maior, uma missão mais bem definida, aí se faria o contrato industrial. Esse seria o modelo mais adequado. Nós nunca conseguimos exercer esse processo totalmente por falta de recursos humanos e financeiros.
Hoje temos quase todas as equipes acompanhando os trabalhos na indústria. Semanalmente, há discussões, simulações, uma grande interação entre nossas equipes e a indústria. Falta apenas um time dedicado ao desenvolvimento de missões futuras. Se existisse, enquanto estivéssemos com o CBERS na indústria, por exemplo, já estaríamos com os protótipos dos CBERS 5 e 6 em laboratório, com novos desenvolvimentos e novas tecnologias.
Sobre essa política industrial que aplicamos ao CBERS 3 e 4, há vários estudos, como o coordenado pelo professor André Furtado, da Unicamp. Recebemos elogios. Destacam que não só fizemos uma política industrial, mas “a” política industrial que o país precisa. Esse é um grande exemplo de política industrial, de como se desenvolve uma indústria e se gera inovação.
Valeu Shirley, a entrevista é muito boa mesmo, vale a pena postar, mesmo sendo antes do nascimento deste ótimo blog.
ResponderExcluirAbração!
Abraços!
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