Shirley Marciano
5 de fevereiro de 2016
MINISTRO QUER PRIVATIZAR O INSTITUTO
Raupp, Helena Nader e Cerqueira Leite teriam ido a Brasília para pedir ao ministro a criação do “comitê”. Os três lobistas teriam colocado seus nomes “à disposição” para compor o grupo! Embora o mandato do atual diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Leonel Fernando Perondi, termine apenas no dia 14 de maio, o ministro Celso Pansera (MCTI) fez publicar no dia 22 de janeiro portaria instituindo um “Comitê de Busca” como parte do processo que culminará na escolha do novo diretor do instituto.
Caberá a esse comitê compor uma lista tríplice de nomes a ser submetida à apreciação do ministro, que escolherá dentre eles o novo diretor ou diretora. Trata-se, portanto, de um processo sem transparência e nada democrático, já que não há previsão de participação da comunidade do INPE no processo de formação da lista tríplice.
“Comitês de busca” não são instrumentos apropriados para escolher dirigentes de órgãos públicos de pesquisa. Esse tipo de comitê é um instrumento utilizado por universidades privadas do exterior, que procuram escolher seus reitores no chamado “mercado”. O perfil desejado, nesse caso, é de um “executivo”, um gestor empresarial, ao invés de um experimentado docente ou pesquisador universitário. Mas é a composição do “comitê de busca” que evidencia a natureza da manobra endossada por Pansera.
Ele será presidido por Marco Antonio Raupp, presidente da “organização social” Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos, tendo como demais membros Rogério Cézar de Cerqueira Leite, presidente do Conselho de Administração da “organização social” Centro Nacional de Pesquisa em Energia de Materiais (CNPEM), de Campinas; Helena Nader, presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Reginaldo dos Santos, presidente da empresa binacional Alcantara Cyclone Space (ACS, em processo de extinção), e membro do Conselho de Administração do CNPEM; Luiz Bevilacqua, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) e ex-secretário-executivo do MCTI.
Por seu histórico, esses nomes trazem preocupações. O ex-diretor do instituto e ex-ministro Raupp integra a SBPC, entidade defensora do modelo das “Organizações Sociais” (“OS”). Helena Nader, presidenta da SBPC, fez lobby pela aprovação da lei 13.243/16, que privatiza o setor de C&T (leia reportagem na p. 10), e integrou a comissão criada pela portaria ministerial 308/2015, formalmente incumbida de traçar um diagnóstico dos institutos pertencentes ao MCTI, mas de fato interessada em propagandear aos dirigentes desses órgãos públicos as supostas vantagens de transformação em “OS” (confira na edição 42 do Jornal do SindCT).
Cerqueira Leite foi quem presidiu a comissão criada pela portaria 308/2015. Seu parceiro no CNPEM, Reginaldo dos Santos, ex-reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), é um antigo conhecido de Raupp, que, quando ministro, nomeou- o para presidir a ACS. Ao criar um comitê para o INPE com tal fisionomia, o ministro emite um sinal claro de que o tipo de “governança” que o governo pretende impor ao instituto é privada e deve se pautar por parâmetros empresariais.
A antecedência com que o processo foi desfechado (quatro meses antes do final da gestão de Perondi), que causou estranheza aos servidores do INPE, é uma indicação do grande apetite que o instituto desperta em interesses privados do setor espacial. Note-se que a “tropa de choque” privatista nomeada por Pansera está se especializando em “buscas”.
Em meados de 2015, Helena, Raupp e Bevilacqua integraram o comitê de busca para escolha do diretor-geral da “OS” Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada para o período 2016-2019. Como o nome sugere, essa “OS” gere o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). É o modelo que desejam impor ao INPE.
Lobistas
Por fonte ligada ao MCTI, o Jornal do SindCT soube que Raupp, acompanhado de Helena Nader e de Cerqueira Leite, foi a Brasília para conversar com o ministro Pansera e pedir que fosse instaurado o Comitê de Busca do INPE.
Os três lobistas teriam colocado seus nomes “à disposição” (!!!) para compor o grupo. Obviamente, essas pessoas não dispõem da mínima isenção necessária para a tarefa. Existe uma forte pressão para mudar o modelo de gestão do INPE. Os personagens envolvidos, contudo, são quase sempre os mesmos.
Em 2012 Raupp, então ministro, quis fundir o instituto com a AEB. Em 2015, além da portaria ministerial 308, tivemos a portaria interministerial 2.151, firmada pelas pastas da Defesa e da Ciência e Tecnologia (veja matéria na edição 41 do Jornal do SindCT), que determinou a criação de um Grupo de Trabalho encarregado, dentre outras atribuições, de “propor a revisão do modelo de governança para as atividades espaciais no Brasil”, dando margem tanto a mudanças positivas (como a desmilitarização das atividades relacionadas a veículos lançadores), quanto negativas (como a eventual entrega da gestão do INPE a uma “Organização Social”).
“Só resta saber se os servidores querem ficar submetidos a uma organização privada ou não. Se hoje o INPE enfrenta um processo de sucateamento, nada mais é do que o resultado de uma política inadequada para o setor, que tem deixado a estrutura à beira de um colapso ao não recompor seus quadros de servidores e por investir pouco e de maneira descontínua”, declara em nota a direção do SindCT.
Todo esse lobby para submeter os órgãos públicos ao modelo das “Organizações Sociais” tem como pano de fundo interesses óbvios. Passa por contratações sem critério e por salários mais altos, mas sobretudo pela facilidade de obter projetos e recursos do próprio governo.
Na edição 43 informamos que a construção do Laboratório de Luz Síncrotron, gerido pela “OS” CNPEM de Cerqueira Leite, está orçada em R$ 1,7 bilhão (a serem repassados entre 2015 e 2018). Em 4/1/16, esse membro do “comitê de busca” do novo diretor do INPE publicou artigo na Folha de S. Paulo protestando contra o corte de recursos para o Síncrotron: “Apenas 20% da verba de 2015 foi liberada”, escreveu.
“Corre-se o risco de ter de dispensar os 550 pesquisadores e técnicos e os 300 bolsistas que lá trabalham”. As OS conquistam recursos enormes e, quando se sentem ameaçadas, não hesitam em “colocar a boca no trombone”. Tudo indica que o MCTI pretende colocar à frente do INPE alguém que crie todas as condições para transformar o instituto em uma “Organização Social”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva sua mensagem.