Redação SindCT
Shirley Marciano
16 de janeiro de 2017
Foto: Prefeitura de São José dos Campos-SP |
O prefeito do PSDB, Felício Ramuth, anunciou em sua página do Facebook o fim da Orquestra Sinfônica de São José dos Campos (OSSJC), contrato firmado entre a Prefeitura e a gestora da orquestra-- a Associação Joseense para o Fomento da Arte e da Cultura (AJFAC)--, justificando que o objetivo é cortar gastos em função da crise e, por conseguinte, das dívidas que a cidade, supostamente, possui. Essa ação pegou todos de surpresa, gerou muitas reações nas redes sociais, além de ter sido amplamente repercutida pelos jornais locais.
O debate tem foco em dois pontos de vista diferentes: um dos lados considera que, sim, tem que cortar essa verba, pois é necessário priorizar áreas importantes como a Saúde. O outro lado explica que seria uma grande perda do que foi investido na Orquestra até então, e que, antes de tudo, deveria ter sido verificado todos os demais gastos da receita da Prefeitura.
A destinação orçamentária em momentos de crise sempre gera muito alvoroço, porque é certo que haverá corte. Neste caso, é possível traçar um paralelo entre a Cultura, a Ciência e Tecnologia (C&T), que em geral, no Brasil, são as primeiras vítimas dos contingenciamentos, mesmo já tendo um orçamento, historicamente, pífio.
Quem é da área de C&T vem reforçando a tese de que a interrupção ou o corte de verbas para projetos cria mais prejuízo do que economia, porque não vai adiantar deixar passar o momento difícil para retomar, porque aquele projeto parado pode ficar com materiais tecnológicos obsoletos, além consequente dispersão das equipes contratadas pelas empresas.
Sobre o tema, a reportagem do Blog SindCT Espacial conversou com o Maestro Marcello Stasi, Regente Titular e Gerente Artístico da AJFAC. Ele é graduado em regência pela Universidade de Cincinnatti (EUA), concluiu seu mestrado na Northwestern University, de Chicago e é Doutor em Música pela Universidade de Campinas (Unicamp).
Blog SindCT Espacial - Como o senhor soube a respeito do fim do contrato com a Orquestra Sinfônica de São José dos Campos (OSSJC)?
Marcello Stasi - A AJFAC, que é a gestora do contrato, foi chamada para uma reunião na prefeitura no dia 10 de janeiro, a qual aconteceu às 11h30. Minutos depois, o prefeito fez um vídeo em sua página no Facebook, ao vivo, para falar do rompimento do contrato. Não houve nada por escrito ou algum tipo de negociação para buscar alternativas. Já estavam com a decisão tomada. Então, quando a AJFAC me ligou para avisar, o post do prefeito já estava na internet.
Blog SindCT Espacial - Na opinião do senhor, com o fim da Orquestra, o que a cidade eventualmente pode perder?
Marcello Stasi - Perde em qualidade de vida. Até me baseando no mote que vem sendo usado para justificar o fim da Orquestra-- a questão da prioridade à Saúde. Posso dizer que muitos problemas estão ligados à má qualidade de vida, e isto reforça ainda mais a importância da existência da Orquestra e de várias outras ações de fomento à cultura, pois cumprem esse papel de levar às pessoas bem-estar, cidadania e socialização.
Numa apresentação com 9 mil pessoas, como ocorreu no Vicentina Aranha, todo o público junto, se emocionando, aproveitando um espaço público, dá um sentimento de pertencimento à cidade onde vive, e isso endossa o que eu disse anteriormente.
Numa apresentação com 9 mil pessoas, como ocorreu no Vicentina Aranha, todo o público junto, se emocionando, aproveitando um espaço público, dá um sentimento de pertencimento à cidade onde vive, e isso endossa o que eu disse anteriormente.
Vale dizer que não estamos falando aqui dos músicos que ficarão desempregados. Isso é consequência. O que está acontecendo é que a cidade deixa de ter um espaço de convívio; deixa de ter contato com a arte, a qual tem o poder de elevar as pessoas.
Nós temos um público muito fiel, que a gente vem conquistando. Um bom exemplo é a apresentação que foi realizada no bairro Aquarius, no dia 12 de junho do ano passado. Mesmo num dos dias mais frios do ano, a Orquestra conseguiu levar milhares de pessoas para assistir na praça. Não é comum conseguir reunir um número tão expressivo para um estilo musical erudito.
Blog SindCT Espacial - Como foi o processo para atrair esse público que vai ao concerto?
Marcello Stasi - Fomos conquistando aos poucos. O contato com os alunos nas escolas, através de um contrato com a Secretaria de Educação, foi um dos fatores que contribuiu. Mas é algo que acontece em doses homeopáticas; bem aos poucos. Não ocorre da noite para o dia, e só dá resultado se tiver qualidade. Se o concerto não emocionar, no próximo não terá público.
Blog SindCT Espacial - Com relação ao custo da Orquestra, o que o senhor tem a comentar? Faz sentido a prefeitura cortar nessa área?
Marcello Stasi - Não faz sentido. A Orquestra representa 0,1% dos gastos da prefeitura. E em um único concerto foram 9 mil pessoas, o que equivale a 1,5% da população. Então, temos uma penetração 15 vezes maior do que lhe é destinado em orçamento.
Blog SindCT Espacial - Quanto custa um ingresso para assistir a apresentação de uma orquestra?
Marcello Stasi - Varia. Na sala São Paulo seria algo em torno de 100 e 120 reais, no mínimo. Apesar do valor alto, lota de pessoas para assistir. Mas, aqui, por decisão de governos anteriores, quiseram oferecer para cidade gratuitamente, de modo a promover a inclusão. Então, em São José dos Campos, até então, qualquer um tinha acesso livre. Portanto, devido a essas ações, hoje nós temos um público bastante variado entre faixa etária, classe social e região da cidade.
Blog SindCT Espacial - Passamos por um momento de crise, em que todas as instituições públicas estão fazendo cortes para equilibrar as contas. No caso da Orquestra da cidade, se ela acabar agora e numa situação melhor ela voltar, daqui dois anos, por exemplo, como seria esse retorno?
Marcello Stasi - Não se retoma da noite para o dia o que foi construído durante anos. Uma das razões mais importantes é a equipe que foi formada. Essa afinação da orquestra é fruto de muito trabalho. Por exemplo, quando entra um músico novo é necessário um longo exercício de adaptação. Imagine começar com todo mundo da estaca zero...
No momento que se desmonta completamente, perde o que foi investido no que diz respeito ao acúmulo de conhecimento do grupo. Além disso, tem a questão do público também, pois as pessoas que estão habituadas a acompanhar a Orquestra, perdem o interesse com o passar do tempo, se não existir uma continuidade.
Blog SindCT Espacial - O senhor gostaria de fazer algumas considerações?
Marcello Stasi - Sim. A gente precisa parar para pensar um pouco: essa ação do governo, está transmitindo a ideia de que cultura é luxo. Isso é antigo e ultrapassado. A cultura é transformação. Ela é identidade. É algo que tem a capacidade de unir pessoas de diversas classes sociais, idade e outros. Então, na medida que se desfaz iniciativas bem-sucedidas, extinguindo-as, quem paga o preço são as pessoas que estavam usufruindo de um projeto que tem viés inclusivo; que traz coisas boas para todos.
Dizer também que tem que tirar de um lugar para colocar em outro, como acabar com a Orquestra para comprar remédio --como se a única solução fosse essa--, é um discurso falacioso. Ninguém quer que um hospital não funcione. É como se colocasse numa balança: ou você tem isso ou aquilo. Esse conceito não é verdadeiro.
Por fim, acredito que seja absurdo mexer em algo que está funcionando bem.
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