Revista Fapesp
José Tadeu Arantes
12 de dezembro de 2016
A FAPESP quer estreitar relações com instituições chilenas para ampliar os esforços de pesquisa em áreas estratégicas. “Nossas parcerias científicas continuam fortemente centradas em instituições dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Precisamos nos aproximar mais dos países vizinhos da América do Sul”, afirmou José Goldemberg, presidente da FAPESP.
As afinidades científicas entre o Brasil e o Chile estiveram em pauta no Workshop FAPESP-Conicyt, em 7 de dezembro de 2016 na sede da instituição. Conicyt é a Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica, do Chile, e o encontro foi projetado exatamente para estimular novas colaborações entre pesquisadores brasileiros e chilenos nas áreas de astronomia, oceanografia, agroindústria e nanotecnologia.
O encontro desenvolveu-se em apresentações conjugadas de pesquisadores chilenos e brasileiros, que contemplaram as quatro áreas de interesse. A área na qual as colaborações estão mais avançadas é, sabidamente, a de astronomia. E o motivo, como explicou Luis Chavarría, diretor do Programa de Astronomia da Conicyt, é que as condições geográficas fizeram do Chile a meca dos astrônomos contemporâneos.
“A formidável barreira constituída pela Cordilheira dos Andes, que bloqueia a massa de ar húmido proveniente do Atlântico, e a Corrente de Humboldt, que resfria o Pacífico e inibe a evaporação, tornaram o céu do norte chileno extremamente seco e límpido, propício para a observação astronômica”, disse o diretor à Agência FAPESP.
Grandes consórcios astronômicos internacionais, como o Gemini, cujas operações se iniciaram em 2004 com dois telescópios “gêmeos”, um nos Andes chilenos e outro no Havaí, e o Soar (Southern Observatory for Astrophysical Research), inaugurado nos Andes chilenos em 2005, mudaram o padrão da astronomia mundial baseada no solo, assim como o Telescópio Espacial Hubble, colocado em órbita em 1990, havia mudado o padrão da astronomia realizada no espaço.
Projetos ainda mais ambiciosos estão agora em construção, como o GMT (Giant Magellan Telescope), com setes espelhos que, em conjunto, comporão uma área coletora de 25,4 metros de diâmetro, capaz de gerar imagens até 10 vezes mais nítidas do que as do Hubble; o Alma (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), com 66 antenas de alta precisão, que deverão operar a 5 mil metros acima do nível do mar, no Deserto de Atacama; o E-ELT (European Extremely Large Telescope), coordenado pelo European Southern Observatory (ESO), com espelho primário também composto, de 39 metros de diâmetro; e o Thirty Meter Telescope (TMT), administrado pelo California Institute of Technology e pela University of California.
“As condições meteorológicas permitirão que o Alma opere com céu claro durante 70% do ano”, exemplificou Chavarría. “No total, 17 observatórios deverão estar em operação no Chile por volta de 2025”, completou.
Como demonstrou João Evangelista Steiner, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP), que dividiu com Chavarría a apresentação na área de astronomia, a participação nos projetos Gemini e Soar configurou um salto de qualidade na astronomia brasileira. “E não só na astronomia, mas também na engenharia envolvida no processo de observação astronômica. Quatro companhias brasileiras colaboraram na construção do domo do Soar e várias outras na produção dos instrumentos”, afirmou.
Segundo Steiner, o Brasil teve direito a 5,5% do tempo de uso do Gemini em 2015. E os pesquisadores brasileiros produziram 12,3% dos artigos científicos gerados com base na utilização do telescópio, o que atesta o alto nível de desempenho alcançado. “As publicações brasileiras associadas ao Gemini e ao Soar cresceram 17% ao ano desde 2000”, contabilizou.
A FAPESP investirá US$ 40 milhões no projeto do GMT, o que equivale a cerca de 4% do custo total estimado. Pelos termos do acordo internacional, tal aporte garantirá, para os pesquisadores de instituições paulistas, 4% do tempo de operação do megatelescópio, além de assento no conselho diretor do consórcio (leia mais em agencia.fapesp.br/21268/).
Vida marinha
Outra área para a qual o Chile constitui um destino privilegiado é a da oceanografia, como detalhou, no segundo segmento do workshop, o biólogo Silvio Pantoja, diretor do Centro de Investigación Oceanográfica en el Pacifico Sur-Oriental (Copas), da Universidad de Concepción. Com uma superfície apenas três vezes superior à do Estado de São Paulo, comprimida entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes, o país possui uma extensa linha costeira, de 6.435 quilômetros.
Acrescente-se a isso o fenômeno da ressurgência marinha, provocado na região pela Corrente de Humboldt. A barreira da Cordilheira dos Andes faz com que os ventos alísios que sopram para sudeste sejam inflexionados para o norte. E esse regime de ventos arrasta as águas superficiais da costa chilena e peruana, possibilitando que as águas profundas, frias e extremamente ricas em nutrientes, aflorem. O resultado é uma extraordinária abundância de vida marinha. De 18% a 20% de toda a pesca mundial ocorre no grande ecossistema marinho associado à Corrente de Humboldt.
“As possibilidades de cooperação entre oceanógrafos brasileiros e chilenos incluem oceanografia física; oceanografia costeira, com estudos de poluição e manejo; aquicultura; geoquímica inorgânica e orgânica; ecologia de águas profundas; paleo-oceanografia, com estudos de registros sedimentares e modelagem; e estudos de organismos extremófilos [bactérias que sobrevivem e se reproduzem em condições extremas]”, afirmou em sua apresentação Michel Michaelovitch de Mahiques, ex-diretor e atualmente vice-diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que compartilhou com Pantoja o segmento dedicado à oceanografia no workshop.
Smart Agriculture
O cobre, que já respondeu por mais de 60% da pauta de exportações do Chile, ainda é, atualmente com 30%, o principal produto exportado pelo país. Mas o Chile possui tradição e potencial de desenvolvimento no setor agroindustrial, como afirmou Ricardo Diaz Cárcamo, diretor executivo do Centro de Estudios de Alimentos Procesados (Ceap).
Enfatizando a agregação de valor aos produtos agroindustriais, Cárcamo mostrou que a exportação de processados (óleos vegetais, enlatados, sucos, congelados, desidratados) cresceu rápida e consistentemente nos primeiros 14 anos do presente século. Depois, acompanhando a retração do mercado mundial, apresentou um declínio relativo a partir de 2014. Os principais desafios para a sustentabilidade e expansão do setor incluem o manejo e a valorização dos resíduos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Como exemplo citou a indústria de azeite de oliva. Apenas 15% do resultado do processo industrial é azeite. Os outros 85% são resíduos. Situação semelhante ocorre na indústria de sucos. Transformar esses resíduos em recursos, como fontes de antioxidantes, alimentos funcionais, fibras para alimentação humana ou animal etc., constitui, segundo ele, importante meta econômica e ambiental.
E neste tópico se deu a confluência entre a apresentação de Cárcamo e a de Silvio Crestana, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), atualmente na Embrapa Instrumentação, que colocou em pauta o conceito de Agricultura Inteligente (Smart Agriculture). “O termo se refere ao uso de equipamentos eletrônicos, sensores, máquinas e informática para prover decisões mais precisas, eficientes e sustentáveis no manejo da produção agrícola”, explicou Crestana.
Durante o debate que se seguiu, o pesquisador argumentou que o conceito, que compreende ainda a criação de sistemas que integrem agricultura, pecuária e floresta, não pressupõe necessariamente a grande propriedade agroindustrial, podendo também chegar aos médios e pequenos produtores por meio de cooperativas ou iniciativas públicas.
Nanotecnologia
O último segmento do workshop tratou de nanotecnologia, com apresentações de Dora Altbir Drullinsky, diretora do Centro para el Desarrollo de la Nanociencia y la Nanotecnologia (Cedenna), e de Marcelo Knobel, professor titular do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (IF-Unicamp) e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Trata-se de uma área em que o Chile teria muito a ganhar com o desenvolvimento bem maior alcançado pelo Brasil. E a parceria já está, de certo modo, em curso, inclusive com a participação do próprio Knobel em iniciativas do Cedenna.
Knobel destacou o apoio dado pela FAPESP ao setor em São Paulo, com um total de 6.274 auxílios e bolsas concedidos. Nanociência e nanotecnologia são contemplados em cinco dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) mantidos pela FAPESP: Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, Centro de Pesquisa em Alimentos, Centro de Engenharia e Ciências Computacionais e Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação em Vidros.
Além dos palestrantes e de outros pesquisadores, o workshop teve a participação do embaixador do Chile no Brasil, Jaime Gazmuri; do agregado científico do Chile no Brasil, Cesar Gatica; do coordenador do Ministério das Relações Exteriores do Chile, Claudio Rojas; do diretor executivo da Conicyt, Christian Nicolai; e da executiva de projetos da Conicyt, Andrea Cibotti. Pela FAPESP, participaram o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo, Carlos Américo Pacheco; o diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz; a assessora especial da Diretoria Científica, Marilda Solon Teixeira Bottesi; e a gerente de área para colaborações em pesquisa, Glenda Mezarobba.
Encerrando o workshop, Mezarobba, lembrou que 103 chilenos receberam bolsa da FAPESP para estudar em São Paulo nos últimos 10 anos. A Fundação já mantém acordos de cooperação com a Universidad de Chile (UCH), a Universidad de la Frontera e a Universidad de Magallanes (UMAG). O intercâmbio deverá ser fortemente incrementado com a próxima assinatura de acordo de cooperação com a própria Conicyt.
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