Revista Piauí
6 de dezembro de 2018
Flávia Tavares
Ilustração: Paula Cardoso |
Com a pontualidade de um foguete em contagem regressiva para o lançamento, o astronauta Marcos Pontes iniciou, às 9h30 desta quinta-feira, sua apresentação a 43 convidados da comunidade científica brasileira que participaram do encontro “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável: Debate para o Futuro”. A reunião em Brasília foi a primeira entre o futuro ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e os representantes do setor. O astronauta Marcos Pontes vestia o macacão azul bordado com a bandeira brasileira no peito que não deixa dúvidas de que ele é o astronauta Marcos Pontes. Nos pés, um deslocado sapato social marrom. No alto-falante, um fundo musical genérico, de acordes melosos. E na tela slides de uma infância feliz em Bauru, da adolescência embalada pelo violão, da entrada na carreira militar. O astronauta Marcos Pontes estava emocionado. Quando surgiu a imagem no telão de sua viagem ao espaço, ele falou do apoio que sempre recebeu de sua mãe, dona Zuleika. Os cientistas, pragmáticos por ofício e essência, entreolhavam-se. Sem trocar palavra, por generosidade ou constrangimento, decidiram aplaudir e acolher o astronauta Marcos Pontes.
A palestra motivacional, pontilhada por sentenças como “Nós precisamos acreditar” e “todos falavam que eu não ia conseguir”, durou uma hora. Os cientistas estavam ansiosos pela próxima etapa da programação, quando, em painéis de discussão, finalmente poderiam expor suas preocupações e propostas. O encontro foi combinado por iniciativa de amigos de Pontes, que encarregaram a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, de organizar o evento. A coisa tomou uma proporção astronômica. Muita gente de setores relevantes teria que se virar para tratar de temas complexos, num tempo escasso, numa salinha do Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, onde a equipe de transição de Jair Bolsonaro opera. Pontes frustrou a plateia. Era chamado para outra missão. Bolsonaro o esperava para uma reunião pré-ministerial.
Os cientistas passaram a falar sobre si para si mesmos. Diretores de toda espécie de sigla importante da área estavam lá: a presidente de honra da SBPC, Helena Nader; o presidente da Academia Brasileira de Ciências, a ABC, Luiz Davidovich; o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, Mario Neto Borges; o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, a Embrapii, Jorge Guimarães (o presidente da entidade); entre dezenas de outros. Gente que se fala com constância. Acostumada a debater entre si. O futuro ministro não estava.
Ele disse que voltaria em meia hora. Voltou em uma hora e meia. Trouxe consigo Jair Bolsonaro. Havia uma tensão na sala porque, pela manhã, o site da revista Crusoé noticiara que a Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep, sairia da alçada do ministério e seria transferida para uma diretoria sob Joaquim Levy, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. A comunidade científica não quer isso. Bolsonaro falou rapidamente sobre sua paixão por ciência e seu fracasso ao tentar ingressar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA. Ele é ruim de Física. Mas costuma apontar os progressos que viriam da exploração do nióbio e do grafeno, um novo material que se obtém a partir do grafite. Decretou que o desenvolvimento do país está nas mãos daquela plateia, dos cientistas brasileiros. E disse que quem manda nessa área a partir de janeiro, com total autonomia, é Pontes. O futuro ministro aproveitou para anunciar que o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, o Inmetro, e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o INPI, devem sair do guarda-chuva do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, que será extinto, e ir para o seu. Os pragmáticos cientistas voltaram a sorrir – não o suficiente para estampar sua alegria na foto que tiraram com Bolsonaro e o futuro ministro.
Bolsonaro deixou a sala e Pontes passou, agora sim, a ouvir as breves exposições dos convidados. Mas já passava das 13 horas. Os cientistas almoçaram num restaurante no térreo. Pontes não os acompanhou. Na volta do recesso, já estava sem seu macacão azul. Vestiu o figurino de ministro e meteu-se num terno e gravata. À tarde, a reunião foi mais proveitosa. Pontes foi apresentado um a um aos notórios e notáveis da área que comandará. Humildemente, pediu conselhos, anotou o que ouviu, incorporou as demandas. Quando um dos participantes sugeriu melhorias na articulação entre as agências do setor, para evitar duplicidades de programas, Pontes logo mimetizou: “Precisamos melhorar a articulação entre as agências”. Esse foi o tom da conversa, com ênfase na ineficiência pública que atravanca a inovação no país.
Esse foi o primeiro encontro de peso que Pontes teve com representantes da comunidade que vai liderar a partir de janeiro. Até aqui, desde seu anúncio como futuro ministro, ele conduziu uma agenda mais de astronauta Marcos Pontes. A plataforma eleita para comunicar sua rotina é o Facebook. A página Astronauta Marcos Pontes exibe, lá no alto, para seus 104 mil seguidores, uma foto de Pontes com Bolsonaro, uma imagem de um Pontes bem mais jovem e magro com paramentos de astronauta e uma citação em destaque: “Vou continuar a fazer com o mesmo nível de entusiasmo e dedicação”. Não está claro fazer o quê. Por meio da página, Pontes informa seus fãs, e agora os cidadãos brasileiros, de sua vida pública.
O astronauta Marcos Pontes conta em suas palestras, em seu livro, em seus posts, em seu site, que sempre sonhou em ser piloto e em ir para o espaço. E que, por ser de uma família pobre do interior de São Paulo, era constantemente desmotivado a tentar (menos por dona Zuleika, claro). Direcionou seus estudos para prestar o vestibular da Academia da Força Aérea. Passou. Com a carreira militar encaminhada, prestou também o vestibular do ITA. Passou. Tornou-se piloto de testes da Força Aérea Brasileira. Fez mestrado em Engenharia de Sistemas nos Estados Unidos. Em 1998, soube pelo irmão que a Agência Espacial Brasileira selecionaria o primeiro astronauta brasileiro. Escolhido, ele completou o curso na National Aeronautics and Space Administration, a Nasa, em 2000, com expectativa de viajar para o espaço em 2001.
O Brasil descumpriu parte do acordo que tinha com os americanos e o brasileiro só pôde zarpar em 2005, em parceria com os russos. Sua missão, ele descreve, era executar a “manutenção dos sistemas da Estação Espacial Internacional, a ISS e da nave russa Soyuz; realizar as pesquisas enviadas pelo Brasil; realizar as pesquisas em andamento na ISS naquele momento (mais de 80); e divulgar o programa espacial brasileiro”. O astronauta Marcos Pontes se ressente do fato de que a imprensa brasileira questionou a qualidade das pesquisas que ele desenvolveu e os gastos de 10 milhões de dólares para que ele pudesse participar da viagem. Também se magoa com as críticas que recebeu por, ao voltar do espaço, sair da carreira pública e partir para as palestras motivacionais e as propagandas de travesseiro.
No dia 31 de outubro, quando Bolsonaro confirmou sua indicação para o cargo, ele postou: “TECNOLOGIA OFICIAL Apesar de veiculado pela mídia a possibilidade de ser indicado como ministro, ainda aguardava o anúncio oficial que veio pelo #twitter (que é uma ferramenta de tecnologia)”. Mas uma semana antes ele já dava dicas do que viria. No dia 23, ao reforçar seu apoio a Bolsonaro, ele agradeceu seus seguidores pelo “incentivo para a próxima missão no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Missão dada é missão cumprida!”. Como de costume, despediu-se com “Abraços espaciais, Astronauta Marcos Pontes”. Sempre que dá, ou mesmo quando não dá, ele acrescenta tags marcando a Nasa em suas postagens. E a tag #Único.
Em sua primeira semana de futuro ministro, seus compromissos incluíram uma palestra na IV semana da Construção Civil no Instituto Federal do Amazonas; uma palestra no 1º Congresso Aeroespacial Brasileiro na UniAmérica, em Foz do Iguaçu; uma participação na celebração dos 50 Anos da Receita Federal do Brasil em Vitória; e uma passagem pela Feira de Tecnologia e Inovação, em Francisco Beltrão – onde foi agraciado com uma melancia com seu rosto esculpido. “Precisamos unir forças de todos os cidadãos de bem sejam eles civis ou militares da iniciativa privada ou pública em prol de uma só causa: o desenvolvimento e reconhecimento ‘MADE IN BRAZIL’ de nossa tecnologia, ciência e inovação no Brasil e no exterior. Abraços Espaciais e fiquem com Deus”, ele postou.
Ele participou ainda do “bate-papo” Saber, sonhar e realizar, promovido pelo Sebrae de Cuiabá. Da 1ª Feira do Polo Digital de Manaus, com a palestra “É possível, como transformar seus sonhos em realidade” e onde aproveitou para alimentar um peixe boi de três meses de vida. De um almoço num evento de tecnologia de uma empresa em São Paulo. E da formatura na Escola de Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá – de lá, ele deu um pulo a Aparecida, com Bolsonaro, numa visita à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. A exceção na agenda mundana do astronauta Marcos Pontes foi o encontro, no dia 27, com William Popp, encarregado de Negócios da Embaixada dos Estados Unidos que está fazendo as vezes de embaixador. E a reunião desta quinta-feira.
Procurado pela piauí para falar da apresentação à comunidade científica, a assessoria do futuro ministro disse que ele ainda não está dando entrevistas, por estar “esperando ter mais coisas pra contar”.
Os cientistas deixaram o encontro divididos. Consideram promissora a disposição do futuro ministro em ouvir, aprender e absorver, coisa rara entre os que chegam a essa posição. Mas temem que ele não tenha o desprendimento, as habilidades políticas e a capacidade de gestão para superar os entraves burocráticos de um país que teima em dificultar a inovação e a produção científica. E o astronauta Marcos Pontes, pelo tom de suas palestras e do discurso de introdução no encontro com os cientistas, parece ter mais satisfação com o som de seus próprios passos do que com os da humanidade.
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