Folha de SP
Salvador Nogueira
5 de setembro de 2017
Folha de SP/Divulgação |
Um audacioso projeto de busca de exoplanetas prestes a ser iniciado nos Estados Unidos tem por meta a descoberta de nada menos que cem mundos gêmeos da Terra em nossa vizinhança galáctica. A iniciativa foi apresentada nesta terça-feira (5) por Debra Fischer, da Universidade Yale, em palestra realizada durante a 41a Reunião Anual da Sociedade Astronômica Brasileira, em São Paulo.
A essa altura, já conhecemos um punhado de planetas rochosos e de porte similar ao da Terra fora do Sistema Solar, mas praticamente todos eles giram ao redor de estrelas de menor porte, como as anãs vermelhas, ou estão a muitas centenas de anos-luz da Terra, como é o caso da maioria dos mundos descobertos pelo satélite Kepler, o grande caçador de planetas da Nasa. Foi o suficiente para provar que planetas similares em massa e diâmetro são abundantes no Universo, mas ainda não temos uma amostragem boa o suficiente de mundos desse tipo ao redor de estrelas próximas e que sejam mais parecidas com o Sol.
O Projeto das Cem Terras, como é chamado, pretende fechar essa lacuna. Para realizá-lo, Fischer e seu colega Colby Jurgenson estão desenvolvendo um novo instrumento, chamado Expres. Trata-se de um acrônimo simpático para Espectrógrafo de Precisão Extrema, um equipamento que já está sendo construído e deve ser instalado no Telescópio Discovery Channel do Observatório Lowell, no Arizona, com seus 4,3 metros de abertura.
O que o instrumento faz é medir com alta precisão a “assinatura de luz” das estrelas, o que os cientistas chamam de espectro. Sabe-se que o espectro sofre um deslocamento para trás ou para a frente, conforme a estrela está “indo” ou “vindo” com relação a nós — algo que ela faz ao ser induzida por planetas ao seu redor a realizar um bamboleio gravitacional, conforme eles giram ao redor dela. Medindo o tamanho e a frequência dos bamboleios da estrela, é possível descobrir a massa aproximada e o período orbital dos planetas que estão ao seu redor.
Foi por essa técnica, chamada pelos cientistas de medição de velocidade radial, que os primeiros exoplanetas foram descobertos, na década de 1990. Fischer, por sinal, foi codescobridora do primeiro sistema multiplanetário fora do Sistema Solar, ao redor da estrela Upsilon Andromedae A, em 1999.
Trata-se de uma metodologia consagrada, portanto. Mas o diabo mora nos detalhes. Como a velocidade radial medida é proporcional à atração gravitacional entre a estrela e seus planetas, a técnica é muito mais facilmente aplicada para descobrir planetas com mais massa e com órbitas mais curtas. Por isso os primeiros planetas descobertos com ela foram os chamados Hot Jupiters, mundos gigantes gasosos com períodos orbitais ultracurtos, de apenas um punhado de dias. Esses sistemas produziam velocidades radiais na escala de 70 m/s. (Foi assim com 51 Pegasi b, o primeiro exoplaneta descoberto ao redor de uma estrela similar ao Sol, em 1995.)
Já melhoramos um bocado nossa tecnologia de espectrógrafos desde então, e o estado da arte é o espectrógrafo HARPS, instalado no Observatório de La Silla, do ESO. Ele consegue medir variações de velocidade radial da ordem de 1 m/s. Mas ainda é insuficiente para o propósito de buscar virtuais gêmeos da Terra. O puxão gravitacional que nosso planeta exerce sobre o Sol, a 150 milhões de km de distância, é da ordem de 10 cm/s. Essa é a meta de precisão do Expres.
Para isso, contudo, os cientistas precisam não só do equipamento, mas de um método batuta de processamento de dados, pois a velocidade radial induzida pela presença de planetas pequenos como o nosso é tão discreta que se mistura aos efeitos da turbulenta superfície da estrela. Em suma, é superdifícil separar o sinal do planeta do ruído.
Fischer e seus colegas estão apostando que, com a super-resolução do espectrógrafo, combinada a modelagens cada vez mais precisas do comportamento das estrelas, será possível fazer essa separação e cumprir a meta, ao longo dos próximos anos, de descobrir cem Terras — planetas como o nosso em órbitas similares à do nosso planeta ao redor de estrelas similares ao nosso Sol — em meio às milhares de estrelas mais próximas do Sistema Solar.
Esses serão, sem dúvida, os principais alvos para futuros projetos de busca de vida.
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