O Globo, 19 de setembro de 2017
Brasil já não pagou taxa cobrada de pesquisadores de todo mundo em 2017 e orçamento não inclui provisão para 2018
RIO – Os cortes nos recursos para ciência e tecnologia do governo ameaçam a participação de mais de cem pesquisadores brasileiros em experimentos no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), dono do maior acelerador de partículas do mundo, o Grande Colisor de Hádrons (LHC), na fronteira da Suíça com a França. Diante disso, uma comissão de cientistas reunidos pela Rede Nacional de Física de Altas Energia vai a Brasília nesta terça-feira tentar obter as verbas necessárias para que possam dar continuidade às suas pesquisas.
Segundo os pesquisadores, este ano o Brasil já não pagou as chamadas taxas de manutenção e operação devidas pela sua participação nas colaborações no Cern, e no projeto da Lei Orçamentária de 2018, enviado ao Congresso pelo Executivo no último dia 31 de agosto, não há nenhuma provisão para o pagamento das taxas também no ano que vem. Os valores destas taxas, pagas por todos os pesquisadores plenos - isto é, não estudantes, seja de mestrado ou doutorado – de todos países, inclusive os Estados-membros do Cern, variam de acordo com o experimento, mas ficam em média por volta de 8 mil francos suíços (quase R$ 26 mil) por pesquisador por ano.
- O Brasil já está inadimplente e isso cria uma situação muito vergonhosa para todos nós – conta Claudio Lenz Cesar, professor do Instituto de Física da UFRJ e um dos três pesquisadores plenos brasileiros que fazem parte da colaboração Alpha, experimento que busca encontrar diferenças, mesmo que mínimas, nas propriedades do anti-hidrogênio com relação ao hidrogênio de forma a tentar explicar porque nosso Universo é composto basicamente de matéria, apesar de a teoria do Big Bang indicar que a grande “explosão” que teria dado origem a tudo que existe deveria ter criado quantidades iguais de matéria e anti-matéria.
Segundo Cesar, mais do que ameaçar os pesquisadores brasileiros com a expulsão das colaborações no Cern, o não pagamento das taxas coloca em risco a liderança do país em alguns campos destas pesquisas. Desde o início do ano, por exemplo, o laser de baixas temperaturas do Alpha, responsável pela “captura” dos átomos de anti-hidrogênio do experimento, usa uma cavidade ótica para aumentar sua potência que foi totalmente desenvolvido e construído aqui no Brasil. Além disso, os pesquisadores brasileiros se preparam para implementar no mesmo experimento uma nova técnica que permitirá fazer as medições das propriedades do anti-hidrogênio e do hidrogênio em um mesmo ambiente com uma precisão inédita de 15 casas decimais, isto é, na escala do trilionésimo, o que corre o risco de não acontecer sem recursos extras.
- Sem estes investimentos, o Brasil deixa de ter uma posição de liderança que poderia ter nestes experimentos – destaca Cesar. - Muitas vezes a física traz surpresas nestas casas decimais e com uma colaboração grande do Brasil o Alpha pode adentrar um terreno que nenhum outro experimento jamais chegou na área.
Uma das mais prestigiadas e avançadas instituições científicas do mundo, o Cern está por trás de vários desenvolvimentos importantes na ciência e tecnologia. A internet e a www, por exemplo, foi criada nos laboratórios do Cern para facilitar a troca de informações e colaboração entre seus pesquisadores. Mais recentemente, experimento no LHC confirmaram a existência do chamado bóson de Higgs. Apelidado de “partícula de Deus”, o bóson de Higgs é apontado como o responsável por conferir massa a todas outras partículas do Universo e era o último que faltava ter sua existência confirmada dentro do chamado Modelo Padrão da física. Elaborada nos anos 1960, esta teoria lista as 32 partículas fundamentais que formariam o Universo e mediariam suas forças.
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