Correio Braziliense
Victor Correia*
3 de julho de 2017
Foto: Correio Braziliense/divulgação |
Assim como as toneladas de lixo que poluem rios, mares e florestas, a humanidade deixa a sua marca quilômetros acima da superfície da Terra. Desde o início da era espacial, em meados dos anos 50, dezenas de satélites desativados orbitam o planeta, bem como pedaços descartados de foguetes e um incontável número de fragmentos formados pela decomposição e por choques entre sujeiras espaciais. Esse material pode destruir satélites e põe em risco serviços como telefonia, GPS e internet, além da integridade dos astronautas.
Até hoje, não houve uma missão para remover esses fragmentos, principalmente devido ao alto custo da empreitada, mas pesquisas são feitas para tentar resolver o problema. Publicado na última edição da revista Science Robotics, um trabalho conduzido pela Universidade de Stanford e pelo Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a agência espacial americana, resultou na criação de um braço robótico que poderá ser usado para remover parte dos detritos que orbitam a Terra.
O dispositivo usa um adesivo inspirado na pata de lagartixas, que conseguem aderir a praticamente qualquer superfície, mesmo contra a gravidade. Ele tem estruturas microscópicas, que criam uma atração entre as moléculas da superfície e as do adesivo, chamada de força de Van der Waals. A fita é capaz de grudar em qualquer tipo de material com uma pressão extremamente pequena, algo essencial para a captura de objetos em um ambiente de gravidade zero.
“Muitas tecnologias tradicionais para agarrar ou colar objetos não funcionam bem no espaço”, afirma Hao Jiang, principal autor do artigo. “Os fragmentos de lixo espacial são geralmente muito grandes para garras mecânicas convencionais. O ambiente extremo, com vácuo, temperaturas extremas, radiação e microgravidade também faz com que tecnologias adesivas não funcionem.”
Ao usar um adesivo comum, como uma cola ou uma fita dupla face, é preciso aplicar uma pressão entre as duas superfícies, às vezes por um período longo. Isso não é possível no espaço, pois a baixíssima gravidade permite que qualquer força aplicada em um objeto faça com que ele se mova. Se você tentasse fixar uma fita adesiva em um satélite desativado, por exemplo, ele sairia de sua órbita.
Inspiração nas lagartixas
A garra desenvolvida pelos pesquisadores norte-americanos usa um tipo de adesivo chamado de Gecko Tape, que significa literalmente “fita lagartixa”. Várias universidades ao redor do mundo desenvolveram um material do tipo, incluindo a própria Stanford, que demonstrou sua eficiência em um dispositivo de escalada em 2014. A fita permitiu que um dos pesquisadores escalasse alguns metros em uma parede de vidro.
“O adesivo usa microestruturas em formato de cunha, com 50 a 100 micrômetros de tamanho e feitas de silicone”, detalha Hao. A fita adere à superfície se for pressionada em um determinado ângulo, fazendo com que as microestruturas se dobrem. Basta usar uma força muito pequena. “Quando essa força é removida, ela se descola.”
O adesivo criado para retirar os detritos do espaço tem uma placa central, retangular, para colar em superfícies planas, e uma garra com duas partes opostas para superfícies curvas. “Nossa garra é capaz de agarrar painéis solares, tanques de combustível, partes de foguetes, basicamente qualquer material que tenha uma superfície relativamente suave”, afirma Hao. “A versão atual pode pegar superfícies planas de qualquer tamanho e superfícies curvas entre 60 centímetros e 2,2 metros de diâmetro, mas podemos usar o mesmo princípio para criar garras de qualquer tamanho.”
O dispositivo foi testado em ambientes sem gravidade e, segundo os criadores, teve o desempenho aprovado. “Nosso trabalho foi um dos primeiros a criar um braço robótico e testá-lo em ambientes de gravidade zero e dentro da Estação Espacial Internacional. Nossos próximos passos incluem adicionar mais sensores à garra, integrar uma adesão eletrostática para aumentar o número de objetos que podem ser capturados e realizar testes no próprio espaço”, adianta Hao.
Risco cada vez maior de colisões
Os lixos espaciais orbitam a Terra a até 28 mil quilômetros por hora, dezenas de vezes a velocidade de uma bala. Uma colisão, mesmo que com um pedaço pequeno de lixo espacial, pode ter consequências graves e produzir ainda mais fragmentos. Como são muitos, a situação merece atenção, avaliam especialistas. “Parte do equipamento enviado em missões espaciais fica por lá”, diz Bruno Castilho, diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica, o LNA, em Minas Gerais. “A maioria continua em órbita por muitas décadas. Existem cerca de 18 mil fragmentos com mais de 8 centímetros. Se considerar pedaços menores, existem mais de um milhão, mas isso é estimativa.”
Em 2009, o satélite russo Kosmos 2251 colidiu com o americano Iridium 33, causando a destruição de ambos. Essa foi a primeira grande colisão entre dois satélites e gerou pelo menos 1.668 fragmentos de lixo espacial, segundo o documento As dez maiores destruições de satélites reavaliadas, publicado pela Nasa em 2016. Os 10 maiores eventos produziram, juntos, 9.137 fragmentos.
“Essas colisões não são muito comuns, mas o lixo espacial aumenta rapidamente. A cada vez que acontecem, o número multiplica”, completa Bruno. “A Estação Espacial Internacional tem motores a jato e, toda vez que ela entra em uma área na qual existem pedaços de lixo espacial catalogados, gasta combustível para mudar sua órbita.”
“Avalanche catastrófica”
O risco de colisões foi tema de uma conferência de especialistas em maio, na cidade de Camberra, na Austrália. Na ocasião, Ben Greene, chefe do Centro de Pesquisa Espacial australiana, que organizou o encontro, disse que é possível a ocorrência de “uma avalanche catastrófica de colisões que poderia destruir rapidamente todos os satélites em órbita”. Segundo ele, apenas 22 mil desses pedaços são rastreados, muitos deles se deslocando com velocidade superior a 27 mil quilômetros por hora, em meio a uma infraestrutura espacial de US$ 700 bilhões.
Os prejuízos já são contabilizados. “Perdemos três ou quatro satélites por ano por colisões com restos espaciais. Estamos muito perto, segundo estimativas da Nasa, de perder tudo dentro de cinco a 10 anos”, disse Greene. O desenvolvimento de tecnologia de rastreamento dos restos espaciais é, segundo o especialista, uma das apostas do setor para amenizar o problema. (VC)
Monitoramento brasileiro
Desde 5 de abril, o Brasil tem um telescópio em funcionamento dedicado a detectar pedaços de lixo espacial. O telescópio russo, como é conhecido, foi instalado no Observatório Pico dos Dias, na cidade de Brazópolis, em Minas Gerais, e é fruto de uma parceira entre a agência espacial russa e o Laboratório Nacional de Astrofísica, o LNA.
“A detecção é feita por fotografias”, disse Bruno Castilho, diretor do LNA. “É feita uma imagem por minuto, acompanhando as estrelas. Os satélites e os lixos espaciais formam riscos na imagem. Os objetos são comparados com um catálogo e, se eles já foram observados, é possível atualizar os dados de suas órbitas. Além disso, o LNA tem acesso a essas imagens para estudos em astrofísica.”
O telescópio, em sua fase de testes, foi capaz de detectar 200 fragmentos de lixo espacial em uma única noite. O Observatório Pico dos Dias fica a 1.800 metros de altitude e tem uma visão privilegiada do céu: o local já contava com outros quatro telescópios.
* Estagiário sob a supervisão de Carmen Souza
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