segunda-feira, 8 de maio de 2017

Falece aos 91 anos o pesquisador do INPE Rajaram Kane

Redação
8 de maio de 2017



Na última sexta-feira, 5 de maio, faleceu aos 91 o Dr. Rajaram Kane em seu apartamento em São José dos Campos. Um dos filhos mora nos EUA e o outro na Nova Zelândia. 
Ele chegou ao INPE em 1976, trazido pelo Dr. Abdu. 

O velório aconteceu no bairro Morumbi, região sul da cidade. Compareceram muitos amigos indianos e brasileiros. 

Ele concedeu ao Jornal do SindCT uma entrevista em dezembro de 2014, que segue abaixo, como uma singela homenagem a esse importante servidor do INPE. 

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Indianos na história do INPE

Shirley Marciano

Os primeiros pesquisadores vindos da Índia começaram a chegar a São José dos Campos, para trabalhar no INPE, na década de 1970. Adaptaram-se à cidade e ao trabalho e alguns de seus descendentes tornaram-se também funcionários do instituto.

 Na década de 1960, devido à dificuldade de encontrar mão de obra especializada no Brasil, o primeiro diretor do recém fundado Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), Fernando de Mendonça, trouxe para o Brasil vinte e seis pesquisadores da Índia que faziam parte de um programa que formava doutores nos EUA e também na Inglaterra. A ideia inicial era uma permanência de apenas dois anos e, caso houvesse interesse das partes, ficariam no país por igual período. No entanto, acabaram se fixando em São José dos Campos.

 Um desses pesquisadores é Rajaram Purushottam Kane, atualmente com 88 anos. O geofísico, que viveu nas cidades indianas de Gwalior e Ahmedabad, chegou ao Brasil em 1978, depois de trabalhar 30 anos na Índia. Ele explica que Mendonça conhecia o fundador do Programa Espacial Indiano, Vikram Sarabhai: por essa razão, houve facilidade de organizar esse intercâmbio. Kane assinala que já completou 35 anos de permanência no Brasil. Cinco anos depois de Kane, desembarcaria em São José dos Campos, procedente de Kérala, também para atuar no INPE, Polinaya Muralikrishna.

“Eu cheguei ao Brasil no dia 23 de janeiro de 1983, com minha esposa e uma das duas filhas, que tinha quase dois anos. A outra filha mais velha, então com três anos, estudava na Índia e ficou com meus sogros. Depois ela também veio para o Brasil”, conta Polinaya, que veio trabalhar na área de desenvolvimento de experimentos embarcados a bordo de foguetes de sondagem, com um contrato temporário de dois anos. Antes de vir para o Brasil, Polinaya acreditava que aqui havia somente “florestas e futebol”, mas, ao chegar, teve outras impressões.

“Quando saí do aeroporto de Congonhas para São José dos Campos, no carro oficial do INPE, já comecei a descobrir que eu estava errado. Vi que as estradas eram limpas, que no trânsito os carros eram novos e luxuosos e que parecia haver um padrão de vida melhor”. Kane, Polinaya e outros abriram um canal permanente para a imigração de pesquisadores aeroespaciais indianos. A jovem pós-doutora Rashmi Rawat, que pisou em solos brasileiros em abril de 2013, diz que está gostando do país. O que lhe chamou a atenção foi a forma educada, gentil e prestativa das pessoas. Ficou positivamente surpresa com a limpeza e também com a forma como são tratados os resíduos.

 Violência menor

Colonizada pela Inglaterra no início do século 18, palco de imensos conflitos étnicos e assassinatos políticos no século 20, hoje a Índia é um país com índices de violência relativamente baixos. Uma possível explicação para esse fato é a filosofia que conduziu a luta pela independência nacional contra os colonizadores britânicos, marcada pela resistência não violenta protagonizada por Mahatma Ghandi, idealizador e fundador do moderno Estado indiano e o maior defensor do princípio de não-agressão.

“Não vou dizer que não tenha violência na Índia, mas, sem dúvida, que é bem menor do que em muitos países. Isto se explica pelo fato de haver um esgotamento dos conflitos pelo diálogo, sem o uso da força”, ressalta Kane, cuja idade avançada não o impede de continuar trabalhando. Atualmente atua na área meteorológica, utilizando dados da NASA (agência espacial dos EUA).

Os avanços democráticos na Índia teriam começado, contraditoriamente, em 1930, com uma reforma legislativa imposta pelos colonizadores britânicos. Na década seguinte, houve turbulências relacionadas à participação indiana na 2ª Guerra Mundial, à intensificação da luta pela independência e a uma forte onda de nacionalismo muçulmano.

A conquista da independência cobrou um alto preço político, resultando na divisão do antigo país em dois Estados: Índia, predominantemente hindu, e Paquistão, de maioria islâmica. Ambos tornaram-se potências nucleares, que se hostilizam mutuamente. “O conflito da Índia com o Paquistão é algo parecido com um câncer e não tem uma solução definitiva”, comenta Polinaya.

“Na Índia tem um número muito grande de muçulmanos, o que levanta muitas questões sentimentais no dia a dia, mas a amizade não sofre barreira por motivos religiosos. Portanto, a convivência entre hindus e muçulmanos na Índia não está ameaçada”, sustenta o pesquisador. Kane, por sua vez, faz referência à ativa presença de grupos islâmicos no Paquistão: “A Índia é muito maior do que o Paquistão. Eles estão preocupados com a gente, mas nós não estamos preocupados com eles, exceto quando eles enviam terroristas para prejudicar os indianos. O Paquistão tem uma grande rede de terroristas, enquanto a Índia não tem nenhum.

Nós somos basicamente pacíficos, assim como o Brasil”. Sob um regime parlamentarista, a Índia é o segundo país mais populoso do mundo e possui nada menos do que 22 idiomas oficiais. A língua escrita oficial é o hindi, mas é permitido também o uso do inglês. “Quando cheguei ao Brasil, em 1971, tinha apenas 13 anos, e a questão da língua foi um grande desafio.

Eu estudei o equivalente ao ensino médio na escola Sinésio Martins, em São José, e tive muita dificuldade no começo. Mas como meu pai participava de clubes sociais, tive a oportunidade de interagir mais com os brasileiros, o que fez com que eu aprendesse mais rapidamente o idioma”, lembra N. L. Vijay Kumar, que atualmente trabalha no Laboratório Associado de Computação e Matemática do INPE. Apesar de ser atualmente a terceira economia do mundo, situando-se atrás apenas dos EUA e China, o país possui gravíssimos problemas sociais, especialmente a pobreza, o analfabetismo e a inexistência de saneamento básico.

Religiosidade

Estima-se que o povo indiano tenha surgido entre 1500 e 2000 AC. Possui uma cultura muito diversificada, em especial, por sua origem multiétnica. As religiões foram e são até os dias de hoje componente importante da cultura nacional. O hinduísmo, o budismo, o jainismo e o sikhismo tiveram origem na própria Índia, enquanto que o zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo chegaram no primeiro milênio DC e moldaram a diversidade cultural da região. “Não sinto falta de nada aqui no Brasil, pois até mesmo na religião encontrei o meu espaço nos templos Hare Krishna”, conta Kane.

Outro fator religioso que influenciou muito a sociedade indiana foi o sistema de castas. Apesar de oficialmente abolido em 1950, ainda está nas raízes culturais da população. Esse sistema assenta- -se nos princípios religiosos do vedismo, escritura sagrada do hinduísmo, segundo a qual a natureza de cada ser humano é pré- -determinada por deuses: quando a pessoa nascia, ela já era fixada numa hierarquia, que incluía Brâmanes (sacerdotes), Guerreiros, Mercadores, Sudras (escravos). Além desta hierarquia, existiam os Dalits ou párias (“intocáveis”), considerados impuros.

“O sistema de castas ainda existe na cultura indiana, mas ao longo do tempo mudou bastante. As pessoas, especialmente os jovens das áreas metropolitanas, não dão muita importância para o sistema. Os casamentos entre as castas antigamente não eram permitidos, mas estão ficando cada vez mais frequentes e acontecem até entre as religiões.

Eu, como a maioria dos indianos que vivem em São José dos Campos, fazía parte de uma casta considerada a mais superior, chamada Brâmanes”, conta Polinaya. “As castas existem na Índia, mas fora não damos nenhuma importância, tanto que nos reunimos, comemos e confraternizamos juntos”, acrescenta Kane.

Culinária

Como não podia ser diferente, num país de grande extensão territorial e diversidade étnica, a culinária é riquíssima, principalmente no modo como os alimentos são preparados, com destaque para a variedade de temperos, ervas e outros vegetais, além de frutas. Cada família indiana possui extenso sortimento de pratos e técnicas. Os pratos variam de região para região, refletindo a variedade demográfica e a diversidade étnica do subcontinente.

“Eu sinto falta é da variedade de sabores dos alimentos, desde a comida indiana até o chá. Acredito que em São José dos Campos possa ter alguma mercearia para comprar esses alimentos”, diz a recém chegada Rashmi, que ainda não teve tempo para conhecer bem a cidade. Kane garante que a adaptação alimentar não foi um grande obstáculo: ele diz que o arroz é o mesmo, então era só juntar as verduras e os vegetais para ficar tudo certo, já que é vegetariano.

 Vijay é outro que se adaptou com facilidade à comida brasileira, pois já havia morado na Arábia Saudita, e também por ainda ser jovem quando chegou aqui. Mesmo com todas as diferenças culturais e sociais foi possível a esses engenheiros, que trouxeram suas experiências para ajudar a fazer avançar a tecnologia espacial do Brasil, permanecer e conviver com o modo brasileiro de ser. “Nós, como seres humanos, temos que fazer escolhas na vida e não dá para ficar apenas com o que é bom. Na minha opinião, quem fica feliz com o que ele tem é uma pessoa feliz; e quem fica pensando nas coisas que ele não tem é uma pessoa triste. Sou uma pessoa feliz com as escolhas que eu e a minha família fizemos na vida, e o Brasil é hoje nosso lar”, finaliza Polinaya.

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