Artigo de Marcia Pinheiro Margis, professora titular do Departamento de Genética da UFRGS e presidente da Sociedade Brasileira de Genética. O Jornal da Ciência publica a partir de hoje manifestações das Associações Afiliadas à SBPC sobre as atividades realizadas no Congresso em defesa do orçamento para CT&I e educação no dia 10 de outubro
Estamos vivendo um momento crítico em nosso país e não podemos deixar de nos indignar com o descaso dos nossos governantes para com a ciência e a tecnologia. Diante de uma situação catastrófica como esta, é preciso, a cada dia, reafirmar o nosso compromisso com o desenvolvimento do Brasil, de maneira a resistir a essa tentativa de desmonte da ciência e da educação. No entanto, para termos efetividade nas nossas ações, precisamos antes fazer algumas reflexões.
Muito tem sido falado dos cortes na ciência e como estes afetam e afetarão a continuidade das pesquisas em curso nas universidades e institutos de pesquisa brasileiros. Estamos começando a nos questionar por que nós cientistas não temos total apoio da sociedade? Há a percepção de que nós precisamos sair dos laboratórios e mostrar à população leiga que as nossas atividades são essenciais para a soberania brasileira. No entanto, grande parte dessa população nem sabe que existimos, pois tem prioridades mais urgentes e imediatas, precisando descobrir maneiras de como sobreviver um dia após outro.
Diante disso, é urgente que saibamos nos mostrar para essa população. Estamos caminhando neste sentido através dos movimentos promovidos pela SBPC e demais sociedades científicas. A situação é dramática e a Carta aos Parlamentares, apresentada no ultimo dia 10 na Câmara destaca a gravidade da situação da ciência e tecnologia no País. A comunidade científica vem repetidamente solicitando a liberação de R$ 2,2 bilhões contingenciados para atender minimamente às necessidades do MCTIC. No entanto, gostaria de destacar um efeito ainda mais nefasto desse contingenciamento: ele promove uma grande desesperança, afetando drasticamente a autoestima dos nossos pesquisadores. Como ter os melhores cérebros ingressando (ou se mantendo) nessa carreira em um cenário de visível desmonte da ciência? Como responder quando esses jovens e a população em geral nos perguntam “onde os aproximadamente 16.000 doutores/ano que estamos formando irão trabalhar?” Muitos dos que se formaram recentemente estão se questionando “onde eu quis chegar quando experimentei seis longos anos de mestrado e doutorado”?
Existem várias respostas às perguntas acima. Mas antes de respondê-las, acho importante denunciar o que essas políticas de desmonte da ciência estão produzindo nos nossos futuros cientistas. Mais do que sucatear nossos laboratórios, estão destruindo toda e qualquer possibilidade de futuro da nossa ciência ao esmagar a esperança dos nossos jovens pesquisadores. Numa analogia com nosso corpo, seria como se estivessem destruindo não apenas os nossos músculos nos impedindo de andar, mas também o nosso cérebro e a nossa alma, nos impedindo de pensar e de sentir.
Mas enquanto essa doença teima em nos ameaçar, precisamos continuar exercitando nossos músculos e nossas mentes, permanecendo aptos para a retomada quando nos livramos dessa disfunção patológica que nos paralisa e tenta nos aprisionar.
As respostas para aquelas perguntas lá de cima são: o Brasil é enorme e suas fronteiras vão além de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e o litoral. Existe um Brasil enorme precisando de todos esses doutores. Não tenhamos medo de invadir cada canto deste país, levando a ciência e os nossos jovens doutores, oportunizando condições para que todas as regiões desenvolvam ciência de ponta, com retorno para a população brasileira, contribuindo assim para uma sociedade mais justa e mais igualitária. Além disso, existe um Brasil que precisa urgentemente inovar, e somente o conhecimento científico de qualidade permite a faz inovação. Num Brasil com mais oportunidades, todos esses doutores terão lugar e serão essenciais para alavancar o desenvolvimento. Não estamos errados em continuar formando doutores. O rumo que o Brasil está tomando em relação às suas prioridades é que está equivocado. Precisamos corrigir esse rumo. Precisamos de políticas que incentivem a ciência e a tecnologia. Que coloquem o Brasil no mapa do protagonismo científico. Do governo, não queremos somente dinheiro para a pesquisa, queremos, acima de tudo, respeito pelo nosso trabalho e pelo futuro do Brasil como uma nação soberana.
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