quarta-feira, 18 de abril de 2018

Opinião: O apagão do satélite brasileiro (Paulo Hetzel)

Brasil 247
Paulo Hetzel*
17 de abril de 2018

Satélite SGDC (ilustração) - Imagem: Visiona


Nestas últimas semanas, o nosso Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação – SGDC 1 esteve como “estrela” no noticiário nacional e internacional. Só perdeu protagonismo, devido ao execrável atentado e morte da jovem vereadora carioca Marielle e a prisão do ex-presidente Lula.

Primeiramente circulou uma denúncia, que o satélite passou para as mãos da empresa americana VIASAT e que isto representaria uma “porta aberta” para a espionagem das nossas comunicações por satélite, além de representar uma quebra da nossa soberania.

A outra informação noticiada em cadeia nacional foi o lançamento, pelo Governo Federal, do programa “Banda Larga para Todos”, mais propriamente para atendimento das necessidades de escolas públicas e postos de saúde, em localidades não atendidas do país.

Acredito ser necessário pontuar alguns dados para facilitar um melhor entendimento destas informações, um verdadeiro “nó cego”, resultado de intricadas manobras feitas nos últimos anos pelos gestores da Telebrás.

O objetivo principal deste empreendimento estatal está claro nas declarações da Telebrás e das diretrizes do Decreto 8.776, de 05/2016, assim redigido:

Art. 1º Fica instituído o Programa Brasil Inteligente, com a finalidade de buscar a universalização do acesso à internet no País. 

Art. 2º Para alcançar a finalidade indicada no art. 1º, o Programa Brasil Inteligente terá os seguintes objetivos:

X - disponibilizar capacidade satelital em banda larga para fins civis e militares;

No Portal da Telebrás, www.telebras.com.br/sgdc/ está descrito suas qualidades e objeto do satélite (100% brasileiro).

O SGDC é um satélite extremamente avançado e imprescindível que utilizará a alta capacidade da banda Ka para ampliar a oferta de banda larga aos locais mais distantes do Brasil com internet de qualidade. Vai assegurar a defesa e soberania nacionais e expansão da capacidade operacional das Forças Armadas.

Em alguns artigos meus, entre eles o “O escândalo: entrega do satélite cria apartheid digital” e “Satélite brasileiro – SGDC falta de planejamento causa prejuízos de milhões ao erário”, sempre denunciei a intenção do atual governo em privatizar a faixa destinada para as comunicações domésticas do nosso satélite.

A tentativa já foi feita pela Telebrás no final de 2017, mas sem resultado, pois não houve absolutamente nenhum interessado.

Com a falta de interesse pela iniciativa privada, a Telebrás ficou com a “brocha na mão”, pois, passados dois anos, as Estações Terrenas – VSAT´s ainda não foram adquiridas, logo, o sistema está incompleto, ou seja, sem condições de uso pela sociedade.

Estas Estações Terrenas são necessárias para “fechar o circuito”, para complementar o sistema de comunicações via satélite, pois sem elas, o satélite se torna um lixo espacial, um “espelho” que não reflete.

As variáveis que seguem servem como fatores de uma operação matemática, que continuando o “status quo”, terá sempre como resultado, um valor negativo para a sociedade brasileira. Vejamos: início das atividades do Satélite, 04/05/2017; tempo de vida útil do satélite, 15 anos devido à limitação do combustível; estamos com 10 meses de operação. Custo do Satélite em órbita de R$ 2.700.000.000,00

Com este valor, “bagatela” de 2,7 bilhões de reais, pago com dinheiro público, talvez o mais caro do mundo, estamos amargando um prejuízo assustador, financeiro e social, pois este valioso “espelho espacial” está gastando sua vida útil a cada minuto, sem utilizar a banda de comunicação civil. Sem cumprir seus objetivos normatizados em lei.

Considerando o custo somente da banda de comunicação civil (70%), teremos:

Valor do investimento de R$ 2.700.000.000,00 (2,7 Bilhões) x 70% (banda civil) ÷ 15 anos ÷ 12 meses = R$.10.500.000,00 mês ÷ 30 dias = R$ 350.000,00 (Trezentos e cinquenta mil Reais).

Resultado: R$ 350.000,00 de prejuízo por dia, ou, R$ 10.500.000,00 por mês. Nestes 10 (dez) meses sem uso/faturamento, fomos agraciados com R$ 105.000.000,00 (cento e cinco milhões de Reais) de "prejuízo".

Saliento que se trata de um cálculo “simplista”, uma vez que não estamos considerando a taxa Selic, Lucro Cessante, Valor do Câmbio (já que todo investimento foi em dólar), Custo Administrativo, Operacional, Impostos, etc.

Com estes relevantes dados econômicos, cobrança de instituições da sociedade civil organizada, o risco real de ficar com esse caríssimo e estratégico patrimônio nacional sem utilização, a Telebrás foi obrigada a correr atrás do prejuízo e fazer aquisição dos equipamentos terrestres a “toque de caixa”.

Com a “faca no pescoço”, fechou um contrato comercial com a empresa americana VIASAT, para o fornecimento das estações VSAT, ou seja, os equipamentos que faltam para poder utilizar a banda de comunicação.

É importante esclarecer que se trata de “fornecimento de equipamentos terrestres”, sem que haja nenhuma entrega de “comando” sobre os canais de comunicação.

O decreto 7.769/2012, em vigor, prevê esta modelagem de implantação;


Dispõe sobre a gestão do planejamento, da construção e do lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas - SGDC.

Art. 8o, A TELEBRÁS poderá contratar com terceiros o fornecimento de bens, serviços e obras de engenharia necessários à construção, integração e lançamento do SGDC e ao transporte de sinais de telecomunicações, bem como do segmento terrestre correspondente. 

Podemos afirmar que, especificamente, esta operação comercial, NÃO PRIVATIZA o satélite nacional.

Isto já foi tentado pela Telebrás, sem resultado, pois as empresas privadas do setor não se interessaram, o que, na minha opinião, levou a saída do seu presidente, no mês de março passado, após a sua “apequenada” passagem de seis meses e meio no comando desta que já foi a holding mais poderosa da América Latina, devidamente destruída pela privataria do governo Fernando Henrique Cardoso.

O grande problema dessa infeliz aquisição, é que esse contrato com a VIASAT está repleto de “defeito”, pois não atendeu as premissas básicas mínimas de uma licitação “de” e “para” o mercado.

É uma difícil situação para ser resolvida, pois a falta de utilização dessa importante e caríssima ferramenta de comunicação, demostra falta de planejamento e má gestão, que perdura desde a sua aquisição.

Como já foi anunciado, as empresas fornecedoras de equipamentos que se sentiram prejudicadas por este arranjo, já entraram com recurso judicial, conseguindo impedir, através de liminar, a continuidade do contrato, o que levará o enredo da triste novela a se arrastar por mais tempo, aumentando ainda mais o prejuízo para a sociedade brasileira, principalmente para as 30 milhões de famílias “apagadas”, os excluídos digitais das regiões Norte/Nordeste.

Como é a viúva que vai pagar, não vejo esforços para uma solução célere e imediata para o “nó cego”, pois os atuais gestores do setor estão envolvidos em negociações para substituir o presidente demissionário da Telebrás.

É importante esclarecer também que o que está em jogo neste momento é só, e somente só, a banda de comunicação civil, banda Ka, pois a de uso militar, a banda “X”, operada e mantida pelas Forças Armadas, embora não atenda a todas suas necessidades de conectividade, aparentemente, vai muito bem obrigado.

Abro parênteses neste ponto para informar que, ao contrário do que foi apregoado por “fontes marginais” ao setor, não existe absolutamente nenhum problema nos canais de comunicação de uso militar, na banda de comunicação militar.

O que é necessário neste momento é que sejam executadas ações comerciais e operacionais pelo novo gestor da Telebrás, para solucionar este gravíssimo problema. Ações estas, lastreadas na lei e nas políticas públicas definidas como premissas desse investimento, evitando assim, eternos conflitos e paralizações, seja com o Tribunal de Contas da União ou mesmo com os agentes privados do setor.

O objetivo central deve ser o uso adequado e efetivo desse importante e imprescindível “meio de transmissão” que é o satélite SGDC. É isto que a sociedade precisa e cobra. Foi para isto que a sociedade pagou e continua pagando.

Para acrescentar mais pimenta neste angu, no dia 28.03 a ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações, abriu novo chamamento público para tentar a tão sonhada privatização de parte do nosso satélite.

Sabemos de antemão que a empresa INMARSAT, empresa britânica de telecomunicações via satélite, já mostrou interesse na obtenção do direito de exploração da banda Ka, o que levaria irremediavelmente ao controle das comunicações civis do satélite, um erro drástico e irremediável, feito por quem não pensa o Brasil, por que não é brasileiro. Este sim, representa a real privatização das comunicações civis brasileiras via satélite.

Temos capacidade técnica e de gestão para encontrar uma solução rápida e eficiente sem lançar mão de uma política entreguista, sem privatizar este patrimônio, pois embora eu duvide, “os ácaros do meu guarda roupa” teimam em afirmar que foi proposital a criação deste imbróglio, no sentido de justificar sua entrega para o capital transnacional.

Isto já ocorreu. Esta dinâmica já foi executada com sucesso na entrega/venda/privatização da Embratel e dos nossos satélites geoestacionários.

A segunda notícia do mês foi o lançamento do programa “Internet para Todos”, divulgada com grande estardalhaço pela grande mídia, que “teria” o objetivo de disponibilizar internet em “banda larga” para todas as escolas e postos de saúde das regiões não atendidas pela iniciativa privada, mesmo depois de 20 anos da “privataria” Tucana, quando foi “vendido”, para esta mesma iniciativa privada, todo o sistema lucrativo de telecomunicações estatal brasileiro.

Novamente, sem querer ser dono da verdade, esclareço que não será possível implantar este sistema de atendimento de comunicação digital de alta capacidade, internet banda larga, utilizando somente o satélite SGDC-1.

A instalação de equipamentos, as ETN´s (Estações Terrenas Vsat´s), até poderá acontecer, mas o resultado será pobre e miúdo, pois matematicamente é impossível atender a demanda reprimida, considerando somente as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais apagadas digitalmente.

Dados simplificados: todo o canal de Comunicação Civil, a Banda Ka, tem 64,2 Gbps disponível para tráfego, para transporte de dados, sendo 45 Gbps para enlace direto (download) e 19,2 Gbps para enlace de retorno (upload).

Desta capacidade, dois terços dos 64,2 Gbits, ou seja, 42,8 Gbits, terão uso exclusivo para o Plano Nacional de Banda Larga.O restante atenderá a demandas estratégicas, da Presidência da República (Ministérios, Bancos Estatais, Policia Rodoviária Federal, ECT, Infraero, etc).

Como o objetivo do programa é atender pelo menos 2.710 municípios (450 da região Norte + 1.794 do Nordeste e 466 do Centro-Oeste) e em cada município serão abertos outros pontos de atendimento, temos o seguinte quadro;

Se dividirmos 42,8 Gb, sendo bastante gentil em considerar a média de banda entre up/dowload, por 2.710 municípios, teremos um total de 15,8 Mbps por município. O governo considera aptos para formalizar a adesão ao programa 2.766 municípios.

Em cada município serão abertos outros pontos para atender escolas, hospitais e postos de saúde.

Considerando, por exemplo, o município de Bananeiras na Paraíba, com 21.000 habitantes, teremos: estabelecimentos de ensino fundamental, 43, (4.056 alunos); estabelecimentos de ensino médio: 4, (1.448 alunos); estabelecimentos de saúde (SUS), 15. Total de pontos a serem atendidos = 62


Considerando que em cada ponto referente a uma escola possua o mínimo de 10 terminais de computador, totalizando 470 terminais, para 5.504 alunos e nos postos de saúde, 3, teremos uma média de no mínimo de 515 usuários trafegando pela rede internet via satélite, com picos de tráfego entre 9 e 17 hrs,


Dividindo 15,8 Mb, taxa disponível por município, entre os 515 usuários dos 62 pontos de atendimento, teremos uma banda/velocidade para cada usuário de 30,6 Kbps, para Up/Download (transmissão e recepção), valor menor que na época da internet discada.

Seria como a idade da “pedra lascada” digital em pleno ano 2018. É uma taxa de transmissão que não existe no mundo digital. É como um cano de 1”, uma polegada, levando água ao mesmo tempo, para 5.000 residências. Muitos ficarão sem acesso, para que outros possam ter o mínimo de comunicação.

Para que se possa disponibilizar a velocidade mínima de 56 Kbps, valor do início da internet no Brasil, só seria possível instalar 282 terminais de computador para as 47 escolas e 15 postos de saúde, o que daria 4 computadores para cada unidade de atendimento, com velocidade máxima de 56 Kbps para up/dow.

Para podermos entender estes dados em uma escala de valor internacional, a Federal Communications Commission (FCC), autarquia norte-americana responsável por regular o setor de telecomunicações, considera banda larga de acessos fixos o mínimo de 25 Mbps de Download (recepção/descida) e 3 Mbps de Upload (Transmissão/subida). No último levantamento, 59% dos acessos nos EUA estavam nesta faixa.

Gostaria de lembrar que estamos utilizando como exemplo, um município de pequeno porte, com apenas 21.500 habitantes, que não foram computados neste cálculo, pois conforme declarado no dia 12/03, deveriam também ser agraciados com internet banda larga.

“Eu acho que nós estamos colocando o Brasil no mundo moderno, trazendo a modernidade para o país. (…) Desde 2005, já se falava desse tema de levar a banda larga para todos os municípios e escolas públicas. Hoje, nós podemos comemorar algo que diz respeito aos países mais avançados do mundo, nós estamos levando banda larga para todos os municípios brasileiros”, declarou Temer.

Como podemos constatar através do exemplo posto, não existe a mínima possibilidade de concretizar esta meta, por absoluta falta de capacidade do satélite.

A conta do programa Internet para Todos, não fecha, não é possível, por mais boa vontade que se possa ter.

Gostaria de esclarecer mais um detalhe que acreditamos ser importante

Sistema de comunicação via satélite, devido às suas características técnicas e econômicas, sempre foi backup, redundância, de outros meios de transporte de informação, como por exemplo a fibra óptica, não servindo como sistema principal, somente em casos extraordinários como foi nos anos 80, quando a Embratel, empresa estatal, fomentou o desenvolvimento da região Amazônica, com a implantação de estações terrenas para comunicação via satélite, em uma época que não existia fibra óptica.

Consideramos temerário (Temer-ário) o lançamento deste programa, sem que seja considerado o leque de opções existentes na infraestrutura de telecomunicações brasileira, seja estatal e/ou privada, bem como de outras infovias que se encontram atualmente em processo de implantação.

*Tecnólogo, bacharel em Direito, membro da Frente Brasil de Juristas pela Democracia/DF, da Frente Ampla em Defesa da Soberania e Tecnológica Nacional, assessor da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão de Ciência e Tecnologia, no Senado Federal

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