quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Pesquisadores do INCT da Criosfera descrevem espécie de fungo azul da Antártica

MCTIC
2 de janeiro de 2017


Pesquisa que descobriu a nova espécie contou com aporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Crédito: Divulgação

Micro-organismo endêmico do continente foi identificado a partir de amostra de neve coletada no fim de 2015 por grupo de cientistas ligados ao ProAntar. Próximo passo é avaliar propriedades anticongelantes e a coloração.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) descreveram uma nova espécie de fungo da Antártica. Batizado como Antarctomyces pellizariae, o micro-organismo surpreendeu por apresentar uma rara pigmentação azul e resistência a baixas temperaturas. O grupo integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera e o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) e recebeu apoio de edital lançado em 2013 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Segundo o microbiologista Luiz Henrique Rosa, a equipe obteve o fungo a partir de amostras de neve coletadas no fim de 2015 em ilhas próximas ao continente gelado. "Estávamos a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano e começamos a processar o substrato ainda na Antártica", recorda. "Então, derretemos a neve e filtramos a água por uma membrana, cuja porosidade retém fungos, mas deixa passar bactérias e vírus. Isolado, o micro-organismo veio crescendo até a UFMG, onde percebemos a coloração diferenciada."

Invisível a olho nu na neve, a espécie gerou colônias azuis nas placas em laboratório. "Quando começou a crescer no meio da cultura, apresentou uma cor que a gente nunca tinha visto. Isso é muito raro em termos de pigmentação de fungo e acontece geralmente com alguns poucos cogumelos", explica o pesquisador, ao citar como mais comuns tonalidades brancas, pretas, rosas, verdes e vermelhas. "Em toda a minha experiência dentro da micologia, que é o estudo dos fungos, nunca tinha visto em uma placa essa cor azul."

O projeto recebeu R$ 470 mil da Chamada nº 64/2013, voltada ao Proantar. O orçamento se completa com o INCT da Criosfera, 40º lugar entre as 101 propostas selecionadas para o segundo ciclo do programa de INCTs, que soma recursos da agência do MCTIC e de 18 fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs). "Isso garante a continuidade das pesquisas pelo menos para os próximos três anos", destaca Rosa, que coordena o núcleo de microbiologia do INCT. "A gente está na expectativa por um novo edital do Proantar."

Descrição

Endêmico da Antártica, o fungo azul é a segunda espécie identificada do gênero Antarctomyces. "Extraímos seu DNA para estudá-lo via biologia molecular e vimos que era próximo ao Antarctomyces psychotrophicus, descrito em 2001 por um grupo de argentinos e espanhóis", relata o pesquisador. "Mas percebemos diferenças, a começar pela coloração. Ao contrário da outra espécie, que reage bem a 20ºC ou 25ºC, o fungo recém-descoberto cresce melhor em baixa temperatura, a 4ºC, 10ºC e 15ºC. Só encontramos o pellizariae na neve. Já o psychotrophicus já foi isolado de solo, planta, líquen e musgo."

Descrita a espécie, a equipe da UFMG estudou a resistência do micro-organismo ao frio. "A ideia do trabalho com fungos da neve é entender as substâncias anticongelantes que eles produzem. Fizemos um teste preliminar com o pellizariae, em que o congelamos sem nenhuma proteção, a 80ºC negativos, e ele não morreu", informa Rosa. "A próxima etapa é avaliar se essas propriedades poderiam ser usadas para diferentes fins, desde a indústria de alimentos até a de aviação. Se produzir algo anticongelante, quem sabe seja útil na proteção de sensores externos de aeronaves em altitudes elevadas."

Outra frente de pesquisa indicada pelo microbiologista gira em torno da coloração. "O plano é isolar esse pigmento azul e verificar possibilidades de uso na indústria alimentícia, como corante natural, e em atividades de fotoproteção, que podem gerar um protetor solar, por exemplo, porque os pigmentos às vezes têm essa função de proteger o fungo contra radiação."

Rosa aponta como passo futuro, ainda, o sequenciamento genético total do fungo. "Nós já estamos com o DNA bruto dele, mas precisamos aprofundar a pesquisa para procurar regiões de interesse no genoma responsáveis pela produção da substância anticongelante ou do pigmento azul, entre outras."

Homenagem

O nome da espécie – pellizariae – é um tributo à professora Vivian Helena Pellizari, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP), em reconhecimento por sua contribuição à microbiologia no Proantar. "Ela vem trabalhando na Antártica desde a década de 1990 e inspirou inúmeros microbiologistas polares brasileiros a seguir o mesmo caminho", afirma Rosa.

Desde 2006, ano da primeira expedição do microbiologista à Antártica, a UFMG acumula fungos vivos do continente em sua Coleção de Micro-organismos, DNA e Células. "A gente coleta, isola e preserva os organismos no nosso acervo. Hoje, acredito que a universidade tenha a maior coleção de fungos da Antártica no mundo, em torno de 8 mil indivíduos isolados. Um dos objetivos do nosso trabalho, aliás, é montar e manter esse conjunto", observa. "Temos várias outras espécies candidatas a serem descritas. Esse projeto começou em 2013, com atividades de bioprospecção na neve e no gelo."

A descoberta e a descrição do fungo azul integram a pesquisa de doutorado da cientista Graciéle Menezes, aluna do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia da UFMG, sob orientação de Rosa. O grupo publicou o trabalho em 30 de novembro em artigo da revista internacional Extremophiles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreva sua mensagem.