segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Licitação de serviços de satélite abre crise na Aeronáutica

Valor Econômico 
Murillo Camarotto
15 de dezembro de 2016



Uma licitação que pode chegar a R$ 300 milhões está causando controvérsia nas Forças Armadas. Por determinação da Casa Civil, a Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa (Cabe) foi incumbida de contratar com urgência serviços de sensoriamento remoto por satélite, uma espécie de mapeamento territorial com imagens em alta resolução.

O pedido, intermediado pelo Ministério da Defesa no fim do mês passado, causou estranheza na Cabe, já que a oferta desse tipo de serviço para as Forças Armadas só pode ser feita - salvo raras exceções - por empresas nacionais ou constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país. Diante disso, os oficiais da comissão, sediada em Londres, concluíram que a licitação deveria ser realizada em território nacional.

Em relatório preliminar, a divisão de licitações e contratos da Aeronáutica classificou de "desarrazoada", "desproporcional" e ilegal do ponto de vista administrativo a abertura de concorrência no exterior, regida por leis internacionais, já que os participantes têm que ser empresas brasileiras, inscritas no Ministério da Defesa.

Procurada, a assessoria de imprensa da Aeronáutica informou em nota que a licitação internacional visa aproveitar a expertise das comissões aeronáuticas brasileiras na contratação de sistemas tecnológicos de alta complexidade. "Além disso, espera-se uma concorrência mais abrangente que no caso de a licitação ser feita no país, visto que as empresas do mercado de serviços espaciais são sediadas majoritariamente no exterior", diz o documento, que não menciona os apontamentos feitos pelo escritório sediado em Londres.

Além de determinar a realização do certame na Europa, o governo quer rapidez no desfecho da contratação. Alegando a proximidade do fim do ano, a orientação dada à Cabe foi de utilizar o prazo mínimo exigido pela Lei de Licitações para o recebimento das propostas: cinco dias úteis.

A justificativa apresentada para a contratação dos serviços foi o atendimento da demanda de órgãos federais por imagens de satélite. No caso específico da área de defesa, a ideia é obter imagens de todo o território nacional e do chamado entorno estratégico, além do Haiti e do Líbano, onde há presença de contingentes nacionais.

Além de atividades relacionadas à defesa, a contratação dos serviços de sensoriamento por satélite seria aproveitada pelo Ibama. O órgão poderá utilizar as imagens para apoio no cadastramento de pequenos imóveis rurais, fiscalização de desmatamento, acompanhamento de empreendimentos licenciados e de planos de manejo, bem como na identificação de vazamentos de óleo no mar.

Atualmente, boa parte desse monitoramento é realizado com base em imagens obtidas de forma gratuita com satélites de programas indianos (AWiFS) e americanos (Landsat), entre outros.

A licitação encomendada se dará em dois lotes. O primeiro consiste na disponibilização, ao comando da Aeronáutica, do controle do sensoriamento remoto para obtenção das imagens. O governo brasileiro está disposto a pagar até US$ 35 milhões (R$ 117 milhões) por um contrato de três anos.

O segundo lote trata do fornecimento propriamente dito das imagens. Para esse serviço, o preço máximo estabelecido na licitação foi de US$ 55 milhões (R$ 183 milhões). Vence o certame a empresa que cobrar menos. Os contratos podem ser renovados por mais dois anos.

O relatório da Cabe cita dezenas de empresas nacionais capacitadas para prestar os serviços desejados. O decreto 2.278/97 diz que as atividades de sensoriamento remoto nas Forças Armadas devem ser conduzidas "de modo a buscar autonomia nacional crescente, mediante contínua nacionalização de meios e o fortalecimento da indústria".

Há, no entanto, previsão legal para que a participação de empresas estrangeiras, desde que em casos excepcionais, para atender interesse público ou para atender compromisso resultante de ato internacional firmado pelo Brasil. No caso da licitação requerida, o responsável pelo escritório da Aeronáutica na Europa destaca a existência de "dúvida razoável" no procedimento.

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