quinta-feira, 10 de novembro de 2016

“Ciência não tem culpa do fracasso da inovação no Brasil”, afirma presidente da SBPC

Agência CT&I
Leandro Cipriano
9 de novembro de 2016

Para Helena Nader, ambiente de negócios do Brasil não estimula inovação - Fonte: ABC

O Índice Global de Inovação 2016, lançado recentemente pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), avaliou 128 países e mostrou que o Brasil está em 69º lugar no ranking das economias mais inovadoras do mundo. Mesmo ficando em oitavo colocado no mundo em porcentagem de transferência tecnológica e em 17º nos gastos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das grandes empresas, o País ainda continua afastado dos grandes players globais em inovação, principalmente pela baixa taxa de transformação de pesquisas em aplicações comerciais.

A baixa interação entre empresas privadas, universidades e institutos de pesquisa continua sendo uma das principais dificuldades para o País inovar. Na avaliação da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, o ambiente de negócios desfavorável ainda é o grande empecilho para estimular essas colaborações. 

“A ciência não tem culpa pelo fracasso da inovação no País, e também não é culpa dos empresários. Gostam de jogar A contra B, B contra A. Mas com esse ambiente de negócios, quem é que vai querer aplicar em inovação?”, questionou Nader, durante a palestra “Fatos e desafios da ciência, tecnologia e inovação no Brasil”, realizada no Fórum RNP, nesta quarta-feira (9), em Brasília (DF).

O estudo da Ompi registrou nota para diversos setores que afetam a inovação de uma nação. O ambiente de negócios brasileiro recebeu nota 1, numa escala de zero a 100. Em facilidade para se abrir negócios, ficou com 2,8. As pontuações fizeram com o País ocupe a 123ª posição em ambiente de negócios. "Isso é mais do que ser reprovado. Ou seja, é culpa nossa? Nós que não estamos fazendo o dever de casa? A ciência brasileira que não está olhando para o mercado? Desculpem, mas pensar assim é não olhar o Índice Global de Inovação", apontou Nader.

Saídas encontradas pela comunidade científica para enfrentar esse ambiente hostil estão previstas no Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/16). Contudo, a lei sofreu oito vetos da Presidência da República que, novamente, frustraram os objetivos de estimular a inovação nacional. A matéria está com o processo de regulamentação praticamente parado. Entre os vetos apresentados à norma, um deles impede a dispensa de licitação para contratar micro, pequenas e médias empresas (MPEs) para prestar serviços ou fornecer bens elaborados com aplicação de conhecimento científico e tecnológico.

“No Marco Legal foi vetado o incentivo para a micro e pequena empresa. Como é que se pode ter inovação no País com atitudes como essa? Isso são coisas que teremos que pôr o dedo na ferida se quisermos resolver”, comentou Nader

Na visão da presidente da SBPC, países da América do Sul, que também passaram por crises econômicas, têm ficado à frente do Brasil quando se trata de descomplicar o ambiente de negócios e estimular a inovação. “A Argentina, por exemplo, desenvolveu um programa onde é possível criar online uma empresa em 24 horas. E mais, criou dez fundos de apoio à inovação. Realmente, o ministério deles está ativo e o presidente de lá está apostando em CT&I.”

Enquanto isso, no Brasil, ponderou a presidente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Gastos Públicos, em trâmite no Senado Federal, pretende congelar o pior orçamento público federal para CT&I dos últimos sete anos, que ficou em R$ 4,6 bilhões neste ano. Em 2013, era de R$ 9 bilhões. “É uma queda vertiginosa, e a PEC está nos congelando lá embaixo. Já em países como a China, dizem que vão investir 2,5% do PIB [Produto Interno Bruto] em P&D até 2020. No Brasil, está em 1,24%. Essa é a realidade”, lamentou.

Outro problema para Nader é referente a balança comercial brasileira. O País não exporta produtos de alto valor agregado. “O Brasil e nossos políticos ainda não perceberam que o mundo está na economia do conhecimento. De novo, não é culpa dos cientistas. Então, ou a gente reverte esse quadro, ou não sei para onde vamos caminhar”, advertiu.

Notas positivas

Apesar da dificuldade em transformar pesquisas em produtos inovadores, a presidente da SBPC ressaltou as notas positivas em P&D do Brasil no Índice Global de Inovação 2016, que de 100 pontos, ficou com 77, e das universidades federais, com 83,6. Além disso, destacou setores estratégicos onde a tecnologia brasileira se sobressaiu, como no desenvolvimento de biocombustíveis, a criação de medicamentos e métodos para combater o Zika vírus, e na extração de petróleo em águas profundas, com o pré-sal.

Para Nader, é necessário concentrar as pesquisas em áreas estratégicas para a ciência no Brasil, como setor agrário, tecnologias da informação e comunicação (TICs), Complexo da Saúde, Energia Nuclear, Nanotecnologia e Biotecnologia. “Isso não quer dizer manter a pesquisa de forma individual. Mas o País terá que dizer qual é a maior vocação que possui para esses grandes temas. O mundo já está correndo atrás delas.”

Ainda assim, para competir com os players globais, algumas ações essenciais precisam ser adotadas. Segundo a presidente da SBPC, cada vez mais é preciso estabelecer uma rede de pesquisa multidisciplinar em todo o Brasil para integrar a ciência e tecnologia nacional produzida pelas universidades, institutos de pesquisa e empresas.

Para isso, além de laboratórios bem equipados, as instituições de pesquisa públicas e privadas precisam de uma banda larga de alta velocidade, com grande capacidade de tráfego de informações e computadores com elevada capacidade de processamento de dados. “Mas isso exige compromisso. O supercomputador Santos Dumont teve que ficar desligado, lá no LNCC [Laboratório Nacional de Computação Científica], porque não tinha dinheiro para pagar a conta de luz. São coisas surreais que acontecem”, lembrou.


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