terça-feira, 26 de julho de 2016

Professor faz ‘vaquinha’ para comprar medalhas para a Olimpíada Brasileira de Astronomia

Mensageiro Sideral
Salvador Nogueira
26 de julho de 2016



Enquanto o Brasil se prepara — ou melhor, improvisa — para receber os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, no mês que vem, professores precisam “passar o chapéu” e colher doações para conseguir produzir as medalhas para a edição de 2016 da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Os participantes estão correndo sério risco de ficar sem o prêmio simbólico neste ano. Isso porque a verba que o governo federal tradicionalmente destina à organização do evento foi cortada pela metade.

Não é a primeira vez que os responsáveis pela já tradicional OBA precisa recorrer à colaboração do público. Em 2014, para adquirir um planetário móvel, o professor João Batista Garcia Canalleorganizou uma “vaquinha” com o objetivo de arrecadar R$ 50 mil. Conseguiu.

Agora, dois anos depois, o desafio é ainda maior — o objetivo é arrecadar pouco mais de R$ 170 mil. E, diferentemente do esforço anterior, não é para um “plus a mais”, mas para o básico. Que diacho de Olimpíada vai ser essa, se não tiver medalhas para premiar os primeiros colocados? Trata-se de uma situação deplorável, para ser gentil.

“Estamos atravessando a pior crise financeira dos nossos 19 anos de atuação”, escreveu Canalle, consternado, na página da campanha de arrecadação.

O evento custa anualmente cerca de R$ 1,2 milhão, mas o CNPq (órgão de fomento à pesquisa do governo federal) só financiou pouco menos da metade do valor neste ano. O resultado foi um golpe quase fatal à organização, que costuma envolver anualmente quase 1 milhão de alunos espalhados por mais de 10 mil escolas, públicas e privadas, em todo o país. (Pense um pouquinho nesses números: pouco mais de R$ 1 por ano para encorajar de uma forma incrível um aluno a se interessar por ciência. É barato demais, e o resultado é assombrosamente positivo.)

Ao todo, costumam ser distribuídas cerca de 50 mil medalhas, divididas em ouro, prata e bronze. A um custo de R$ 3 por unidade, sairiam por R$ 150 mil. O valor adicional na meta da campanha pagará as taxas do site que faz o serviço de arrecadação.

Claro que não será moleza arrecadar o valor total nos 58 dias que restam para o término do prazo. Até agora, foram cerca de R$ 2.000.

(Falte talvez à iniciativa uma garota-propaganda tão boa quanto a nossa presidente da República afastada, que conseguiu arrecadar em poucos dias quase R$ 1 milhão para viajar pelo país. Hmm, pensando bem, acho que não, né?)

A despeito do aperto no bolso que praticamente todos os brasileiros andam sentindo agora, aposto que ainda há boa-vontade suficiente para viabilizar a aquisição dessas medalhas, cujo impacto positivo será sentido agora em cerca de 10 mil escolas e anos depois no desenvolvimento do país, conforme esses alunos, devidamente incentivados, cresçam para se tornar os cientistas brasileiros do futuro. (Boa sorte para eles! Vão precisar!)



Delegação brasileira na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica de 2014; nossos moleques vão super-bem, e tudo começa com a OBA, que “revela” os nossos grandes cientistas de amanhã. Mas sem medalha, vai ficar difícil… (Crédito: Divulgação)

Aha, se a moda pega!
Ademais, a essa altura, o Mensageiro Sideral teme que a moda pegue e o governo desista de vez de retomar seu papel crucial como fomentador de pesquisa e desenvolvimento no país. Quer ver? Um grupo de astronomia liderado por Jorge Melendez, da USP, abriu há três semanas sua própria vaquinha para financiar a participação de seus alunos em congressos científicos, depois de ter o pedido de recursos recusado pelos órgãos de fomento (a meta é de apenas R$ 8 mil, mas ainda assim eles estão sofrendo para chegar lá, com apenas R$ 420 em 20 dias de arrecadação). E estamos falando de um cientista extremamente produtivo — certamente world class.

Como também o é a neurocientista Susana Herculano-Houzel, cuja história quase todo mundo já conhece. Ela estava na UFRJ e recebeu apenas R$ 50 mil do CNPq para manter seu laboratório por TRÊS ANOS (o valor não paga nem dez dias de um deputado, mas vá lá). Num esforço supremo de resistência, conseguiu arrecadar passando o chapéu mais R$ 113 mil para complementar o financiamento. Depois que a grana acabou, e o governo seguiu em sua clássica postura “não é comigo”, ela jogou a toalha e se mudou de mala e cuia para a Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Agora está fazendo por lá a ciência de alta qualidade que as circunstâncias não permitiam aqui — e claro que os benefícios ficarão por lá também.

Com o quadro de deterioração crescente, aproveito para jogar uma ideia no ar, para discussão: diante da inoperância e da falta de prioridade do governo federal na gestão do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação, não estaria na hora de uma espécie de Lei Rouanet para a pesquisa básica? Claro que teria de ser muito bem estruturada, para que não ocorram abusos como os que já foram cometidos por meio da Lei Rouanet original, voltada para a cultura. Mas assim pelo menos as empresas poderiam financiar diretamente o progresso científico nacional, associar sua imagem à pesquisa de ponta e ainda descontar isso da bolada que mandam regularmente para Brasília — e que muitas vezes evapora por lá sem deixar vestígios, por mecanismos ainda não totalmente explicados pela ciência, se é que você me entende.

Pelo sim, pelo não, uma coisa é certa: precisamos ajudar a OBA a premiar os alunos que arrebentam em astronomia! Qualquer valor ajuda. E o futuro não vai nos perdoar se renunciarmos ao papel que infelizmente o governo, apesar de equipado para tanto, não consegue desempenhar.

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