segunda-feira, 25 de julho de 2016

Astrônomos da USP tiram dinheiro do próprio bolso para pagar pesquisa

Folha de SP
Giuliana Miranda
24/07/2016 - 02h00

O professor de astronomia da USP Jorge Meléndez
Após corte de cerca de 80% de recursos, entre bolsas e outras verbas de financiamento, pesquisadores de um dos principais grupos de astronomia do Brasil estão recorrendo a vaquinhas virtuais, “favores” de universidades estrangeiras e até ao próprio dinheiro para continuar as atividades e se manter em nível competitivo internacional.

O ramo da astronomia e da astrofísica demanda altos investimentos em instrumentos de observação, capacitação e deslocamentos, seja para observações astronômicas ou para a participação em congressos e treinamentos.

Responsável no ano passado pelo primeiro exoplaneta (planeta fora do Sistema Solar) descoberto por um grupo brasileiro, o professor de astronomia da USP Jorge Meléndez diz que o bom desempenho científico de seu grupo não foi suficiente para garantir os recursos necessários para tocar os trabalhos.

“Tentamos contornar do jeito que dá, mas está bem difícil. Para ajudar meus alunos, eu tenho tirado dinheiro de minha reserva técnica do meu próprio projeto. Também tentamos obter dinheiro de todos os lados, como parcerias com universidades do exterior e a própria organização dos congressos”, diz.

Aluno de doutorado em astronomia na USP, Henrique Reggiani também precisou complementar do próprio bolso para conseguir se manter na Alemanha durante um período de estágio de capacitação em espectrometria avançada para sua pesquisa.

“Era uma oportunidade muito boa, Avaliei que valia ir mesmo assim”, explica.

Colega de Henrique no doutorado, a astrônoma Marília Corrêa Carlos, tenta um financiamento coletivo virtual para tentar garantir sua participação em um congresso em Porto Alegre.

Líder do projeto Sampa (Stellar Atmospheres, Planets and Abundances), Meléndez avalia que a situação da pesquisa no Brasil se deteriorou nos últimos dois anos, Ele critica algumas políticas de financiamento, como Ciências sem Fronteiras (programa federal de intercâmbio), que em sua opinião tiveram recursos “mal empregados”.

“O problema é que os cortes de hoje muitas vezes só vão ser percebidos lá na frente, quando os nossos equipamentos já não conseguirem dar conta do trabalho”, diz.

As verbas para pesquisa no Brasil como um todo têm sofrido sucessivos cortes.

O investimento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)em auxílio a pesquisa caiu 50% em 2015 em comparação com 2014. Os números preliminares já liberados sobre 2016 não mostram qualquer tendência de recuperação.

Coordenadora da pós-graduação em astronomia do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP, Silvia Rossi diz que os cortes atingiram tanto as verbas para compra de equipamentos quanto as bolsas de pesquisa.

“Eu tento contemplar todo mundo e ajudar como dá, mas houve um corte muito expressivo dos recursos, especialmente da CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal , ligada ao Ministério da Educação] “, diz. “Eles cortaram bolsas que supostamente estavam ociosas, mas era um período em que os alunos da graduação estavam se formando e iam realizar procedimentos para avançar para a pós”, diz Rossi.

A coordenadora também afirma que houve redução de bolsas da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) – eram 44 em 2013 contra 27 em 2015 – e uma dificuldade adicional imposta pela agência.

“A FAPESP leva em consideração o histórico do aluno na graduação na hora de conceder uma bolsa de pós-doutorado. Há situações muito complicadas. Tive um aluno cujo o pai morreu no primeiro ano da faculdade e isso obviamente se refletiu no desempenho acadêmico dele. Mesmo com um bom desempenho na pesquisa hoje, ele não consegue bolsa de lá”

Outro lado

O diretor-científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique Brito Cruz, afirmou que os cortes nas bolsas e verbas aconteceram de uma maneira ampla devido à queda da arrecadação de impostos do Estado de São Paulo, que é a fonte de financiamento da agência.

Brito Cruz diz concordar com os critérios de desempenho rígidos para a concessão das bolsas.

“Tendo em vista que essas bolsas serão pagas com dinheiro do contribuinte, elas tem mesmo de ser dirigidas a estudantes que tenham excelente históricos acadêmicos”.

“A astronomia é uma área prioritária para a FAPESP, temos grandes projetos que estão indo muito bem. O GMT (Giant Magellan Telescope) já recebeu R$ 48 milhões.”

Procurada, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) não comentou os cortes de recursos até a conclusão desta reportagem.

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