domingo, 14 de fevereiro de 2016

Foi sofrido guardar segredo sobre as ondas gravitacionais, diz brasileiro

14 de fevereiro de 2016
Folha de SP
Gabriel Alves


Quando soube que tinha nas mãos a notícia do ano, ou da década, da área de física e astronomia, Odylio Aguiar, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), teve vontade de contá-la para todo mundo.
"É um sofrimento danado. É complicado ir almoçar com os colegas, o pessoal falando sobre ondas gravitacionais e você não poder contar a grande novidade."
A cautela, contudo, era necessária, afinal, o mundo já havia se decepcionado com dois alarmes falsos sobre a detecção de ondas gravitacionais. Foram quatro meses de segredo, desde confirmação até a revisão dos dados e a publicação da notícia. Mesmo assim, vazamentos recentes indicavam que as tais ondas tinham sido mesmo observadas.
Na última quinta (11), enfim, o mundo pôde ter a certeza de que o fenômeno, previsto há mais de cem anos por Albert Einstein e que surge quando grandes massas se movimentam de fato existia. O evento foi detectado por dois quilométricos sensores a laser (Ligo), nos EUA.
Veja abaixo trechos da conversa que teve com a Folha:








Folha - Como foi o momento "eureka" dessa descoberta?
Odylio Aguiar - A colisão de buracos negros ocorreu há 1,3 bilhão de anos, mas as ondas gravitacionais só chegaram à Terra em 14 de setembro de 2015, primeiro no observatório de Louisiana e, 7,3 milissegundos depois, no observatório de Washington.

Alguns membros da colaboração perceberam que era o caso de uma onda gravitacional três minutos após o evento. Era um sinal forte, e uma análise grosseira de dados conseguiu detectá-la.
Várias equipes começaram a analisar os dados para saber se era real —isso levou alguns meses. Quando já tínhamos certeza, decidimos redigir um artigo e submetê-lo para a revista "Physical Review Letters", mantendo o sigilo.

Um segredo entre mil pessoas consegue permanecer secreto?
É complicado, alguém vazou. Os rumores surgiram logo no começo e as informações muitas vezes tinham detalhes precisos. Talvez agora se descubra quem vazou, mas eu não sei o que vai acontecer, se essas pessoas serão expulsas.
Como era não poder contar nada para ninguém?
Digo uma coisa: é um sofrimento danado. A gente tem muita vontade de contar para o colega do lado. E se você conta para um, daqui a pouco todo mundo está sabendo. É complicado ir almoçar com os colegas, todo mundo falando sobre ondas gravitacionais e você não poder contar a grande novidade. A gente só podia falar entre os seis que estavam na colaboração.
O pior de tudo é quando os colegas chegam e perguntam se os rumores são verídicos.
E o que o senhor respondia?
"Olha, eles não terminaram de analisar todos os dados". Lógico que estavam o tempo todo analisando justamente aqueles dados, daquele evento, deixando o resto da corrida [sessão de observação, de setembro a janeiro] de lado.
Era uma situação constrangedora. Eu ficava chateado. Perde-se o tesão porque você tem todo o entusiasmo da coisa e não pode manifestá-lo antes da hora. Quando acontece o pronunciamento oficial você continua não se divertindo porque reprimiu a emoção Mas vai ser sempre assim, com todos os eventos que forem descobertos, até que acabe essa síndrome do que aconteceu no passado, no Bicep2 [radiotelescópio que supostamente detectou ondas gravitacionais em 2014].
Sobrou dúvida no novo caso?
Para os três avaliadores da revista, não. Eles aprovaram imediatamente, pediram umas melhorias, para que o artigo ficasse superperfeito, mas nada que contestasse a veracidade. Esse procedimento será adotado em todos os novos eventos detectados.
Agora a ideia é esperar por outros eventos? Existe alguma periodicidade esperada?
É como pipoca estourando no micro-ondas -você não sabe exatamente quando será o próximo estouro.
Mas sabe que vai estourar...

Sabe. Se você colocar o micro-ondas na potência certa e elas começam a estourar, você sabe que vai continuar.
Eu acredito que nesse ano ainda haverá pronunciamento de novas detecções.

O que essa descoberta significa para um cidadão comum?
Assim como aconteceu após Galileu, as ondas gravitacionais são uma outra revolução no conhecimento humano. Elas vão causar novas revoluções e invenções. É o que a gente espera.
Como uma viagem no tempo?
Viagem no tempo existe —para o futuro, não para o passado, pelo menos por enquanto. Mesmo o Kip Thorne [um dos fundadores da colaboração Ligo e consultor do filme "Interestelar"] não tem certeza se pode haver uma viagem para o passado, e ele estudou a questão com profundidade.
E saber se houve o Big Bang?
A amplitude da "marola" gravitacional seria pequena, mas dá para descartar modelos [de origem do Cosmo] que não preveem o Big Bang, que teriam ondas mais intensas.
Como vocês descobriram se tratar de dois buracos negros e não alguma outra coisa?
Por causa do sinal, que tem uma variação e uma forma. Foram vários testes. A combinação que mais se encaixou foi a de dois buracos negros, com 29 e 36 massas solares.
O achado vai render o Nobel?
Pelo histórico, há uma certa cautela para a descoberta ser confirmada. Se a detecção de sinais continuar, talvez ainda esse ano.
Qual foi a participação dos brasileiros no estudo?
São seis membros no Inpe [além do Riccardo Sturani, italiano baseado na Unesp]. São duas frentes: uma no isolamento vibracional e no resfriamento dos espelhos e outra na caracterização dos ruídos, que permite a extração do sinal "real" das ondas. Essa área foi liderada pelo César Costa, também do Inpe.

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